PAPEL

“Eu tenho um problema.
                               É o seguinte:
                                      quanto tempo duram as coisas?
                                      Se eu deixar uma folha
                                      de papel num quarto fechado
                                                                                  ela  atinge a eternidade?”


                                                                    Um sopro de vida – pulsações
                                                                          Clarice Lispector, 1978





Resumo
Nesta experiência, buscamos descrever, através da imagem e da escrita, textos teóricos, relatos, anotações e diários, um trabalho prático de restauração e a sua metodologia de pesquisa. O texto faz parte do trabalho de conclusão da disciplina Conservação e Restauração de Papel, na qual se restaurou um livro Missal do século XVIII. Serão descritos os dados de identificação da obra, seguidos da descrição física, análise formal, análise da técnica construtiva, análise do estado de conservação, proposta de tratamento, além dos procedimentos técnicos trabalhados. Abordaremos técnicas e materiais de cada etapa, iniciando com o desmonte do livro, seguidos do mapeamento, banho aquoso, obturação mecânica e manual, costura e montagem. A proposta de tratamento baseou-se no estado de conservação do livro e no interesse em restituir a integridade física do suporte fazendo, para tanto, o procedimento de obturação na MOP. Iniciaremos com uma breve reflexão colocando alguns conceitos sobre restauro com o foco em questões inerentes à criação artística, tomando-o como fruto de uma prática cultural, e as relações estabelecidas junto ao coletivo.

Palavras-chave: Papel, Livro, Missal, Restauração, Minas Gerais, Brasil.





                                                            Introdução
            
            O objetivo da pesquisa é descrever a investigação teórica sobre a restauração de um livro e analisa-la no intuito de conhecer os procedimentos e os materiais utilizados no processo de restauro, para tanto, levantaremos as principais técnicas quanto ao período e as formas de execução. O trabalho foi realizado nas disciplinas de Conservação e Restauração de Papel III e IV sob orientação de Carolina Concesso Ferreira, no Curso Técnico em Conservação e Restauro da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP).
            No texto serão descritos os dados de identificação da obra, que aborda informações de sua origem, técnica, título, autor, etc. Seguidos da descrição física da obra, descrevendo a obra e seus atributos de forma detalhada. Posteriormente analisaremos a iconográfica, buscando seu significado histórico-religioso, em seguida a análise da técnica construtiva, descrevendo a história e os materiais de construção do objeto, desde o suporte a camada pictórica. Na análise do estado de conservação, detalharemos todos os tipos de degradação. Em seguida, descreveremos a proposta de tratamento, além dos procedimentos técnicos trabalhados, referente à restauração do missal, que se caracteriza por um livro usado nas missas de rito romano para as leituras próprias do celebrante (um clérigo). A obra é originária da Igreja Matriz de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto.
            Documentou-se, além da escrita, por meio de registros fotográficos, os quais nos permitiram conhecer o estado de conservação da obra, desde a sua chegada, percorrendo pelo estado da obra durante todo o processo de intervenção, até a sua finalização.
No texto introdutório estão destacados alguns conceitos sobre preservação, conservação e restauração e alguns autores reconhecidos nessa área, assim como Cesare Brandi, que aborda a restauração enquanto momento metodológico do reconhecimento da obra, assim, buscaremos entender os conceitos trabalhados pelo autor, o qual menciona que os valores artísticos prevalecem sobre os históricos, de modo a adaptar as novas exigências e sem cometer uma falsificação artística tampouco uma falsificação histórica. Para tanto, elaborou-se um quadro histórico considerando as principais correntes teóricas da conservação. A abordagem teórica sobre tais conceitos, terá como respaldo os teóricos Violletle Duc (2004), Ruskin (2004), Boito (2003) e Brandi (2005).



1.      Dados de Identificação

Título da obra: Missal Romano
Autor: S/R
Dimensões: 22,5 x 27 x 8,5 cm
Técnica: Impressão tipográfica sobre papel de trapo
Época: provavelmente 1759
Origem: Provavelmente Antuérpia
Procedência: São Bartolomeu /Ouro Preto-MG
Proprietário: Igreja Matriz de São Bartolomeu
Data de entrada: 28/05/2015
Data de saída: 19/01/2016

Responsáveis: Andréa Dalbosco; Clara Vilar; Ernesto Alves; Marcelo Fernando; Maria Cecília; Paula Lara.



Histórico
São Bartolomeu
Com a descoberta de Minas Gerais em 1668 o barroco veio a ter grande influencia na construção de pensamentos e criação de objetos de artes. No arraial de Villa Rica temos ainda hoje grandes registros desse período colonial brasileiro. Situada entre duas encostas de um sinuoso vale, marcado por montanhas, as mesmas, que após acordar, a tropa chefiada por Antônio Dias, avista entre as névoas do amanhecer o Pico do Itacolomi. A montanha era o ponto de referencia de localização da região, sendo guia do capelão Padre Faria, acompanhado das tropas dos bandeirantes. A vila originou-se do processo de agregação de diversos arraiais de garimpo de ouro. O arraial de minas do ouro foi oficialmente confirmado como “Villa Rica” por decreto real em 1712. Após a confirmação de que nessa terra se encontrava ouro puro, a disputa pela pedra veio a acarretar em vários conflitos e confrontos entre o homem branco, índio, negro, caboclo e mestiço.
O livro Missal é originário da Igreja Matriz de São Bartolomeu, localizado a 15 quilômetros de Ouro Preto. O local se encontra dentro da floresta Uaimii. O Arraial do Apóstolo de São Bartolomeu é uma dos mais antigos de Minas, sendo seus documentos datados do fim do século XVII. Um local de marco importante da região é o Rio das Velhas, o curso do rio foi usado como uma das principais entradas das bandeiras vindas de São Paulo. O rio ficou famoso pela facilidade de encontrar ouro e pedras preciosas, e foi a partir da ocupação de suas margens, que se originou a povoação.
A região é rica na produção agrícola, sua produção de doces é destaque na região, cujo modo de fazer foi registrado como patrimônio cultural imaterial. A igreja Matriz, dedicada a São Bartolomeu, carregam vestígios do estilo nacional-português. A igreja foi construída no mesmo local onde da primeira capela do distrito, dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Acredita-se que são Bartolomeu é Natanael, um dos apóstolos de Cristo.[1]


1.      Análise Formal
Livro com capa dura, cujo estofo compõe-se de madeira com revestimento em couro. O suporte sobre o qual redigiram o livro é de papel de trapo. O miolo do livro contém 5 fólios por cadernos em um total de 54 cadernos. Contém 4 cadernos em preto e branco com 2 fólios. A costura é realizada sobre os nervos, e são bem aparentes na lombada. Em alguns fólios apresenta marca d`água. A tinta empregada na redação do texto apresenta da cor preta e algumas ilustrações da cor vermelha. A capa é revestida de couro contendo ilustrações gravadas a seco, técnica conhecida como gofragem, tanto na frente quanto no verso. Algumas folhas apresentam figuras e ornamentos em forma de flores, aves e arabescos. Na página 395 consta um erro na tipografia, sendo o correto 365. Faltam as páginas 287, 288, 555, 556, 589.



[1]Informações retiradas em: www.ouropreto.com.br/canal/artigo/saobartolomeu em 08 de Outubro de 2015




3. Apontamentos acerca da história do livro
A história da evolução do livro se inicia no século II, passando pela Idade Média até as publicações contemporâneas. O livro sempre exerceu influencia na formação do espírito humano e na difusão de ideias e conhecimento. Segundo Chatier:

Manuscritos ou impressos, os livros são objetos cujas formas comandam, se não a imposição de um sentido ao texto que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as apropriações as quais são suscetíveis. As obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios que governam a ‘ordem do discurso’ pressupõe decifrar com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros (e de outros objetos que veiculem o escrito). (CHATIER, 1999, p.8)


O autor nos faz perceber que as histórias transpassadas não são casuais, tem-se uma intenção ao se redigir as palavras através da escrita, muita vezes na leitura do todo, este significado se dissolve, ou seja, não o percebemos.
Em seu texto, O Aparecimento do Livro, Lucien Lebvre aponta os primeiros indícios do aparecimento do livro e coloca que,

ao longo dos sete séculos que decorrem desde a queda do Império Romano até o século XII, foram realmente os mosteiros e, acessoriamente, o conjunto dos outros estabelecimentos eclesiásticos que conservaram o monopólio quase integral da cultura livresca e da produção do livro. Não é menos certo, por outro lado, que a partir do final do século XII interveio uma profunda modificação e que as transformações intelectuais e sociais, traduzidas especialmente pela fundação das universidades e pelo desenvolvimento da instrução entre leigos, ao mesmo tempo em que se formavam uma nova classe burguesa, tiveram repercussões profundas nas condições em que os livros eram compostos, escritos, copiados e difundidos. (FEBVRE, 1992, p.22)

Os livros produzidos na Europa durante o século XVII chegavam ao Brasil com facilidade, construindo e moldando nossa forma de entendimento da realidade. Em Minas, em particular, esses livros contribuíram para o grande desenvolvimento da cultura social e política do Brasil durante o período colonial,

os primeiros exemplares chegaram com os jesuítas, no século XVI. No século XVII, os volumes mais comuns nas bibliotecas eram os catecismos, resumos de histórias santas, diretivas, exercícios espirituais, livros de novenas, orações e manuais para melhor aproveitar os sacramentos. (SANTIAGO, 2009,pag.24)

O objeto de estudo deste trabalho, o missal romano, caracteriza-se por ser um livro usado nas missas de rito romano para as leituras próprias do celebrante (um clérigo). Os missais tinham por finalidade “uniformizar e coordenar as orações da comunidade de fiéis, que acessavam seus dizeres por intermédio da voz do celebrante. Orientava-se para a coletividade e inseria-se numa prática sociabilizada de leitura”. (SANTIAGO, 2009, p. 214)
A norma de oração do missal, esta em consonância com as normas da fé, é uma simulação de ato teatral, reforçado pela musica, pelo incenso e pela iluminação das velas, criando um ambiente de estímulos perceptivos onde os receptores são atingidos por diferentes meios cognitivos. 
Os missais orientam o cotidiano das celebrações litúrgicas, colocando a maneira como o livro deveria ser lido, e em quais dias.
É importante ressaltar de quem organizava os ritos, os quais os missais tiveram um importante papel na difusão das ideias do período colonial, tinham como protagonistas as Irmandades. Em seu texto Mecenato e Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira, Alex Bohrer caracteriza o missal apresentando sempre a mesma estrutura básica, segundo o autor:

uma capa (com o nome completo do Missal, a cidade de impressão, a tipografia, a data e, em grande numero de missais uma pequena gravura), uma contra capa, uma apresentação em latim (feita por um ou mais papal), textos litúrgicos (em latim), partituras de musicas sacras, pequenas ilustrações, tudo entremeado por gravuras principais. (BOHRER, 2004, p. 5)

Geralmente as gravuras[1] de pagina inteira eram dispostas na página esquerda dos missais e representavam : Anunciação, Natividade, Epifania (adoração dos magos), Crucificação, Ressureição,  Ascenção de cristo, Pentecostes, Santa Ceia, Assunção da virgem, Santíssima Trindade.




[1]O termo Gravura é a denominação genérica das técnicas que permitem obter imagens por meio de matrizes.  A técnica da gravura em Metal começou a ser utilizada na Europa do século XV. Em seu texto A Gravura a pesquisadora Ligia Saboia nos deixa uma luz sobre as primeiras gravações, “a primeira gravura em metal de que se tem notícia é datada de 1446, intitulada Christ Crowned with Thorns. Alguns autores consideravam que o inventor da gravura em metal foi o Mestre das Cartas de Baralho, um joalheiro suíço”. As matrizes da gravura pode ser placa de cobre, zinco ou latão. Estas são gravadas com incisão direta ou pelo uso de banhos ácidos. Agua forte, agua tinta e ponta seca são as técnicas mais usuais. A matriz é entintada e utiliza-se uma prensa para transferir a imagem para o papel. 




Os temas destas gravuras principais obedeciam a liturgia vivida pela igreja durante o ano, “essas estampas situavam-se imediatamente antes do texto referente à cerimônia alusiva à passagem representada nas imagens.” (SANTIAGO, 2009, p.226). Os missais foram responsáveis pela popularização e reprodução das imagens neles retratadas, determinando assim as gravuras, estas gravuras eram almejadas por comitentes e artistas.

As casas impressoras usavam manancial restrito de pranchas para ilustrar cada uma das passagens do Missal, ou seja, a mesma gravura era impressa em vários livros trazidos à luz por uma mesma tipografia. Revela-se, assim, que a função das imagens relacionava-se intimamente com o texto, não tendo uma autonomia estética que justificasse a abertura de novas matrizes. (SANTIAGO, 2009, p.226)




Em sua pesquisa sobre os livros e vocabulário iconográfico, Camila Santiago nos coloca que:

a maioria dos missais encontrados, e possivelmente a maioria dos que circulavam na época, vinha da Tipografia de Plantin, sobretudo os impressos até a década de 60 do século XVIII, e da Impressão Régia, cuja primeira edição é o missal de 1775, ainda sob o privilégio concedido a Francisco Gonçalves Marques.  (SANTIAGO, 2009, p. 228)


4.      Análise da Técnica Construtiva
Suporte:
Corpo do livro de papel de trapo, com o estofo da capa de madeira de carvalho, revestido de couro. Fecho de metal.
A partir da observação dos vestígios da costura presente no estofo do livro, constatou-se que a costura foi executada sobre 4 nervos. A costura foi realizada de forma a fazer com que a linha se cruzasse no interior do caderno. Os nervos são utilizados para garantir a união entre o miolo do livro, seu estofo e revestimento. Além disso, pode-se observar que havia indícios de existir anteriormente cabeceados na encadernação.




O dorso possui nervos salientes e a decoração da capa apresenta uma gravação que formam duas molduras quadradas. A primeira moldura acompanha as extremidades da capa. A segunda moldura, menor, é separada da anterior. Dentro do quadrado menor a uma gravação de dois losangos, um dentro do outro e uma cruz no centro do losango menor. Na capa inferior consta a mesma decoração da primeira.



Camada Pictórica:
Tinta tipográfica vermelha e preta, apresenta sua composição com os textos organizados em colunas. Contém glosas, reclamos e capitulares com motivos fitomórficos. Há imagens gravadas em vermelho de letras capitulares e tarjas, geralmente em relevo. Segundo Camila Santiago:

Há um código interno de leitura nos missais que se materializa nas cores das tintas usadas na impressão: preta ou vermelha. O vermelho é usado, em algumas partes do livro, com a finalidade puramente decorativa de intercalar-se com as letras pretas. Assim ocorre, geralmente, nos títulos e subtítulos. Nas partes iniciais do Missal, em que a maioria dos escritos tenciona guiar a leitura do padre e seu comportamento nos ritos, o vermelho é utilizado nos trechos que o eclesiástico deve ler, em voz alta, para todo o grupo dos assistentes da cerimônia. O que está impresso em preto, por sua vez, refere-se às orientações para o religioso. (SANTIAGO, 2009 p.16)

As letras capitulares eram utilizadas para começar outras missas, geralmente mediam 2 cm x 2cm.



4.1. A invenção do Papel e o Papel de Trapo

Antes de colocar as características da produção do papel de trapo, será oportuno descrever os principais suportes dos veículos de informação até os nossos dias.
Grande parte do acervo documental e bibliográfico da humanidade encontra-se, em sua maioria, em suporte de papel. O papel é um material sensível à degradação, levando em conta diferentes fatores, a sua degradação mais comum é a acidificação da celulose da qual é composto.
No percurso da história, foram diversos os suportes para o registro da informação, desde as pinturas rupestres, que são considerados também uma espécie de escrita, passou-se para outros materiais, como a argila, placas de mármore, a madeira, dentre outros. A forma mais próxima do que conhecemos hoje é o papiro, usado no Egito há aproximadamente quatro milênios antes de Cristo, que segundo Viñas:
el papiro fue uno de los más importantes soportes de la escritura em la civilizaciones antigas: durante el primer milênio antes de cristo y hasta aparición de otros soportes alternativos, fue usado de forma abundante em Roma, em Persia, em la Grécia clássica, em Palestina y em Siria. (VIÑAS, 2010, p. 35)

Outro suporte utilizado foi o pergaminho. Seu registro é datado três séculos antes de cristo e se estendeu até depois do século XIII, quando deixaram de ser fabricação exclusiva dos mosteiros.
A invenção do papel como conhecemos hoje é creditada aos chineses em 105 d. C., a partir da casca da amoreira, restos de roupa e redes velhas, criou-se o princípio básico que é usado até hoje na fabricação do papel. Os exemplares que chegaram até os nossos dias provam que o papel feito pelos antigos chineses era de alta qualidade, que permite, até mesmo, compará-los ao papel feito atualmente. Os papéis utilizados hoje em nossa vida cotidiana (jornais, cadernos, livros, etc.) são feitos de celulose encontrada nas árvores.
Em seu livro La Restauracióndel Papel, Salvador Viñas coloca a definição mais corrente sobre o papel ao dizer que “el papel como um produto de forma laminar que está compuesto por fibras vegetales sueltas dispuesta de forma aleatória, o por acortar aún más, como uma lámina formada por fibras vegetales sueltas aleatoriamente dispuesta”. (VIÑAS, 2010, p.27)
Em sua composição básica, a fabricação de papel consiste na preparação da pasta, que após o processamento temos a formação do papel. Segundo Viñas (2010, p.28), o processamento da formação do papel “consiste em filtrar la pasta a través de um tamiz, que retiene las fibras y deja passar el agua. Cuando después essas fibras se secan producen la hoja de papel”.

O papel de trapo se popularizou com a descoberta da imprensa no século XV. O papel tem como matéria prima trapos de algodão, linho e outras fibras têxteis, que eram colocados na agua até adquirirem uma consistência pastosa. A vantagem do papel de trapo, se comparado ao papel industrializado, é que não possui substâncias ácidas na transformação do tecido em pasta, estando assim, sujeito a maior durabilidade e resistência à acidez. 



4.      Análise do Estado de Conservação:
A análise do estado de conservação do missal apontou como característica geral, a fragilidade que se encontra todo o suporte, inclusive a capa do livro. Em praticamente, todos os fólios da encadernação existem perdas no fundo do caderno devido à ação de roedores. A costura da encadernação apresenta perdas e danos. Em algumas folhas há lacunas provenientes de insetos, e em alguns casos, com prejuízo das informações. Um dos fechos da capa se perdeu e o outro se encontra fragilizado na parte de união do fecho junto ao couro da capa. Nota-se a presença de excrementos de insetos e impregnação de materiais.


4.1. Suporte:
Presença de fungos (microorganismos);
Dobras e vincos;
Rasgos;
Perda da costura;
Amarelecimento;
Perdas parciais;
Perda de parte do couro do revestimento;
Perda de um dos fechos em metal;
Manchas de umidade;
Mancha causada por insetos;
Ataque por roedores na lombada;
Orifícios na capa de madeira causados por insetos;
Ataque de insetos (brocas);
Material aderido.




4.1. Camada Pictórica:
O estado da camada pictórica é regular, com pequenas perdas causadas por insetos e roedores.

6. Proposta de Tratamento:
A proposta de tratamento baseou-se no estado de conservação do livro e no interesse em restituir a integridade física do suporte fazendo, para tanto, o procedimento de obturação na MOP. Inicialmente, foram propostos os seguintes procedimentos:

- Documentação fotográfica de todas as etapas;
- Mapeamento dos cadernos desmontados;
- Desmonte total;
- Limpeza mecânica com trincha e pó de borracha;
- Remoção do material aderido (cera) com bisturi;
- Testes de solubilidade e pH;
- Limpeza aquosa;
- Desacidificação;
- Obturação dos fólios na MOP;
- Remendos com papel japonês em orifícios;
- Reconstituição da costura;
- Remoção do revestimento do estofo;
- Tratamento do couro e estofo;
- Enxerto no couro;
- Imunização do suporte (estofo);
- Consolidação do suporte (estofo);
- Complementação dos fechos;
- Montagem da encadernação;
- Acondicionamento.

7.      Procedimentos realizados
Após recebermos o Missal, a primeira etapa realizada foi o preenchimento da ficha de identificação da obra, além do mapeamento e da documentação fotográfica, as quais nos permitiram conhecer em detalhes o estado de conservação da obra, desde a sua chegada, percorrendo pelo estado da obra durante todo o processo de intervenção, até a sua finalização.

7.1.            Desmonte e Mapeamento
Realizou-se o mapeamento do livro, conferindo a ordem das páginas e a organização da encadernação, a fim de avaliar se o livro estava organizado de forma correta. Os fólios vieram desorganizados, fora da ordem da costura, então, realizamos uma organização inicial, para encontrar a ordem correta dos fólios, em seguida, numeramos cada folha, e por último elaboramos o mapa de caderno a qual tem como representação gráfica dos fólios soltos.
Cada fólio foi numerado, em seguida, inserida em uma tabela específica de mapeamento, após a numeração uniu-se com linhas os números das páginas, que unidas ligavam os fólios da encadernação. Um exemplo deste processo é pensar em um caderno com 5 fólios, em um total de 10 páginas, o primeiro fólio do caderno seria a página 1 e a última a página 10; o segundo fólio seria a página três receberia a numeração dois e estaria ligado ao fólio de número 9, e assim sucessivamente. Esta representação no mapeamento se dá pelas linhas contínuas de duas páginas que se encontravam unidas. A linha tracejada entre as duas páginas indica que as páginas que compunham um fólio encontram-se separadas. A linha contínua abaixo da página indica que a mesma não foi encontrada. (Ver Anexo 1)



7.1. Higienização Mecânica
A higienização mecânica tem como objetivo remover as sujidades superficiais aderidas, retirada de poeira, resíduos de cola, resíduos estranhos aos documentos, etc. O primeiro procedimento realizado no livro foi o desmonte, em seguida, a higienização manual, realizada com uma trincha e com pó de borracha. Segundo Cobra (2003):

a higienização é o processo de remoção de poeira, insetos e materiais estranhos aderentes aos objetos que os danificam ou de alguma forma contribuem para sua depreciação. O material que deve fazer parte do equipamento para essa atividade é trincha com cerdas macia 3”, juba ou “bigode”, papel branco tipo sulfite ou mata-borrão, luvas descartáveis, máscara descartável e jaleco. (COBRA, 2003, p. 56)

Iniciamos a limpeza do livro preparando o local onde iríamos trabalhar, em seguida, organizamos as ferramentas de trabalho, como: trincha, mata borrão para a proteção do livro, e pó de borracha. Com uma trincha com as cerdas macias limpamos folha por folha do livro, sempre do centro para as extremidades.
Para a remoção de manchas e sujidades aderidas em diversas folhas, utilizamos uma “boneca”, composta por um tecido sintético de nylon preenchida por algodão. Durante a limpeza, realizamos pequenos movimentos circulares controlando o atrito do pó da borracha sobre o papel. Quando o pó da borracha escurecia, trocávamos, passando uma trincha. Em seguida, realizou-se a remoção de material aderido com bisturi. 





O teste de solubilidade consistiu em embeber o swab em água deionizada, e aplicá-lo em uma área de pouca visibilidade da camada pictórica de uma imagem; demos preferência em uma área onde a tinta gráfica estava em meio tom, para assim termos melhor observação do resultado do teste. Em seguida, colocamos o mata-borrão por cima, para absorver a água em excesso e observar tanto a ponta do swab, quanto o mata borrão, se havia a presença de tinta. Após o teste, observamos que não ocorreu a descaracterização dos pigmentos, o que nos impulsionou para a etapa do banho aquoso.  


7.1. Banho de limpeza
No procedimento do banho de limpeza, colocamos 5 fólios intercalados por entretelas, em seguida, mergulhamos em um recipiente por 15 minutos, em solução de água deionizada contendo 2% de álcool etílico P.A. e 0,5% de detergente laboratorial. 
Segundo Viñas,
El acohol (o etanol) es particularmente adecuado, por su inocuidade para el papel y para el restaurador em condiciones de uso normales. La proporción de etanol que debe añadirse al agua del baño no es crítica; em casos típicos, puede oscilar entre 50 y 100 ml por litro de agua, aunque pueden aumentarse o reduzirse según se considere necessário. ( VIÑAS, 2010, p. 145)

Após o banho, realizamos o enxágue dos fólios em 2 banhos de 10 min cada, em água deionizada, com o objetivo de retirar os componentes químicos do banho, em seguida, colocamos na secadora. 


7.1. Banho de Desacidificação
A função do banho de desacidificação é neutralizar a reação entre o ácido, contido no papel, e a base de tratamento, protegendo o papel contra a redução do pH. A proposta consiste em encontrar um tipo de substância química que possa ser utilizada adequadamente e assim deixar um resíduo alcalino no papel após o tratamento aquoso,  e assim, prolongar a resistência do papel aos ácidos que venham a se formar. Segundo Viñas  “cuando el hidróxido de cálcio entra em contacto com el dióxido de carbono del aire, el hidróxido de cálcio reacciona, formando carbonato de cálcio”. (VIÑAS, 2010, p. 198)

Antes de realizarmos o banho, os fólios foram acomodados em grupos de 5 e intercalados por entretelas, em seguida, em um recipiente adicionou-se água deionizada com uma solução de Hidróxido de Cálcio com pH 7 por 30 minutos. Após este banho, em outro recipiente adicionou-se água deionizada com uma solução de Hidróxido de Cálcio com pH 10 por mais 30 minutos. E, por fim, colocados em mata-borrão para secar em temperatura ambiente.  Após o banho houve a redução e neutralização do pH.




7.1. Obturação na MOP – Máquina Obturadora de Papel
A obturação do papel pode ser realizada de duas formas, a mecânica ou manual. A obturação mecânica é mais prática quando se tem um trabalho em série. No caso do Missal, muitos fólios têm grandes perdas, por isso optou-se pelo procedimento mecânico.
Antes do procedimento de obturação dos fólios com a MOP, realizou-se a adesão de carcelas ao fundo dos cadernos dos fólios que estavam rompidos e daqueles com perdas na área da costura, além de remendos nas áreas muito fragilizadas dos fólios, que ao ir para a obturação na MOP, poderiam rasgar. Utilizou-se o papel japonês de 10gr/m2 e tylose a 5%.
Para cada procedimento realizado na MOP, a preparação da polpa tem que ser específica, pois a diferença de polpa pode resultar em diferenças na gramatura do papel. Para realizarmos este processo, realizam-se alguns cálculos partindo do princípio de que é necessário confeccionar uma folha com a mesma gramatura dos fólios obturados, para posteriormente subtrair o peso destes fólios. (Ver anexo 2)
Após, realizou-se uma pesquisa das cores que poderíamos chegar para obter a mesma cor, com o objetivo de alcançar a cor mais próxima do original. A mistura da polpa que mais se aproximou, foi a mistura de 30% de panaluz preto de fibra longa, 30 % de panaluz laranja de fibra longa, 30% de papel filtro branco e 10 % de panaluz castanho de fibra curta. À essa mistura acrescenta-se 3% de carbonato de cálcio, calculado a partir do peso final da fibra a ser utilizada na obturação, aumentando a alcalinidade da fibra.



Na operação com a MOP os fólios foram obturados em duplas e posicionados na máquina com as carcelas e remendos voltados para baixo, tendo como suporte, telas de nylon. Os fólios foram umedecidos, e a polpa, após ser batida em um liquidificador (sem corte nas lâminas) foi adicionada à MOP. A sucção foi, então, acionada e as fibras acomodaram-se nas áreas lacunares.



Após a retirada dos fólios da MOP, realizou-se a encolagem, que tem como objetivo reforçar a união das fibras adicionadas com o fólio obturado. O procedimento se deu por meio da aspersão utilizando tylose a 2%. Em seguida, os fólios foram colocados entre dois mata-borrões visando à absorção do excesso de umidade, em seguida, foram levados à prensa.


Após a secagem dos fólios, o excesso de papel decorrente do procedimento com a MOP, foi cortado, utilizou-se régua e estilete, buscando atingir o seu tamanho de origem. Cortou-se, por fim, as rebarbas pontuais com um bisturi.




7.1.Costura dos fólios
Após os banhos e a planificação dos fólios, realizou-se a costura dos cadernos. 


Para a execução da costura, os fólios foram organizados em cadernos, utilizando o mapa de caderno realizado no desmonte do livro. Em seguida, realizou-se um gabarito utilizado para a marcação dos pontos de costura do livro, buscando seguir os vestígios existentes na pasta da encadernação. Realizou-se o preparo do sisal utilizado como nervo da encadernação, no qual se aplicou PVA, para uni-lo a outro cordão de sisal, a fim de obter um cordão mais grosso, para assim, atingir a espessura do nervo original existente na lombada do revestimento do livro. Utilizou-se a linha Urso, na costura.


A folha de guarda foi costurada junto aos cadernos do livro. A função da folha de guarda é fazer a junção do miolo com a capa.


Para reforçar a adesão entre os cadernos da costura e ainda realizar o arredondamento da lombada, realizou-se a encolagem do dorso, aplicando uma camada de cola de amido, na prensa de encaixe. 


7.1. Cabeceado
A função do cabeceado é uniformizar a extremidade da lombada, além de proteger o corte do livro nas áreas próximo a coifa. O cabeceado constituiu-se de um cordão de sisal revestido com papel japonês, foi costurado ao livro utilizando os pontos de apoio da costura da encadernação.

O fitilho preto encontrado entre os fólios no início do trabalho, estava bastante degradado, não sendo possível sua inserção no livro, por isso, utilizamos um fitilho confeccionado em cetim. Esse fitilho foi aderido à lombada antes da costura do cabeceado.


7.1.    Desmonte da Capa
Em um primeiro momento houve o desmonte da capa do livro, que consistiu em descolar o couro e o tecido do estofo da capa do livro com o uso de espátulas.




 7.1.1.      Tratamento do estofo
Para o tratamento do estofo, realizou-se a limpeza da madeira com swab e CMC a 5%, com auxílio de bisturi, para facilitar a remoção de papéis e adesivos. Após, realizou-se a limpeza com aguarrás e, por fim, utilizou-se água deionizada para finalizar a etapa de limpeza.
Com o objetivo de impermeabilizar o estofo e enrijecer a área de passagem dos nervos no estofo, aplicou-se uma camada de paralóid a 5% (diluído em xilol) em toda a extensão do estofo, e mais uma camada apenas nas áreas dos orifícios dos nervos. No metal foi aplicado Paraloid a 5% com o objetivo de evitar a oxidação do metal.



A obturação do estofo realizou-se com PVA, o qual foi aplicado em fissuras. A massa de consolidação foi preparada com PVA e serragem, e aplicado nas lacunas e em rachaduras na madeira nas quais havia considerável perda de suporte.


7.1.1.      Tratamento do couro
Para o tratamento do couro da capa, realizou-se a limpeza preparando uma solução com 250 ml de água deionizada, 5 ml de detergente industrial e 2 gr. de tylose. A tylose serve pra deixar a solução mais pastosa, evitando que penetre no couro. A hidratação do couro foi feita com Klucel e aplicada com swab



Obturação da capa
Após inserir os enxertos maiores na capa, realizou-se a obturação das lacunas menores. Utilizou-se pó de couro e cola de amido, onde aplicou-se nos orifícios, com auxílio de uma espátula.

Enxertos no revestimento do couro
Na complementação do couro da capa, realizou-se o tratamento de enxerto, iniciando com a produção de moldes para realizar o mapeamento das perdas, em seguida, escolhemos o material para fazer o enxerto no revestimento do couro.
No enxerto, desbastaram-se o couro nas partes onde as duas partes se encontravam, para assim, chegar ao mesmo nível da capa. Realizou-se uma abertura no revestimento do couro na área de junção entre a lombada e a pasta inferior, pois, após o tratamento do suporte, percebemos que houve um aumento na espessura do mesmo. Este fato pode advir do procedimento de obturação na MOP, realizado em praticamente todos os fólios, considerou-se tal possibilidade, visto que mesmo após ter sido prensado, o livro não reduziu a medida da lombada.




7.1.1.      Montagem da encadernação
Após o procedimento do cabeceado, realizou-se a junção do suporte junto ao estofo. Esta etapa consistiu em inserir os nervos no estofo, sendo seguidos os furos originais do estofo. Em seguida, cortou-se com um estilete a sobra do sisal, e, por fim, aplicamos um adesivo nos orifícios para fixar. 


Realizou-se a colagem da folha de guarda com cola de amido.



Após a adesão do estofo à capa, o livro foi levado a uma prensa de encaixe, onde foi realizada a marcação dos nervos, utilizando barbantes. 

Fecho
Um dos fechos do livro estava faltando, então discutimos sobre confeccionar outro fecho. Este, foi confeccionado por outro profissional, e realizou-se o molde em um papel vegetal, criado o fecho em cobre, sendo ele fixado junto o couro da capa.  


Comparação final do livro antes e após o restauro:







7.1. Confecção de embalagem para Acondicionamento
Por fim, realizou-se a confecção de uma embalagem para acondicionar o livro. Utilizou-se papel Filifold Documenta de 300 gr/m2 e um cadarço de algodão cru foi utilizado para fechar a caixa, evitando assim, o uso de adesivos.




Considerações finais
O presente relatório buscou iluminar o processo de restauração de um Missal, percorrendo como eixo, a pesquisa teórica e suas fontes de análises, conjecturando sobre os procedimentos e funções práticas no restauro em papel. Os objetivos da pesquisa foram restaurar um livro e analisa-lo no intuito de conhecer os procedimentos e os materiais utilizados no processo de restauro, investigar e levantar as principais técnicas, quanto ao período e ao modo de trabalho. Devido à falta de registros documentais que pudessem fornecer os subsídios necessários para a realização da pesquisa, foi preciso recorrer à historiografia do livro e aos materiais que os constituem, realizando assim, um trabalho interdisciplinar que envolveu os estudos técnicos, cientifico, histórico, formais, iconográficos e estilísticos.
Nos conteúdos avaliados sobre os conceitos de restauro, trabalhei com os alguns pensadores que se debruçaram sobre a preservação, conservação e restauro permeando por um emaranhado de termos culturais, sociais, políticos, entre outras articuladas pelos percursores conhecidos e anônimos envolvidos na produção das ideias de seu tempo.
Ao explorar os procedimentos particulares do restauro, o objetivo de registrar os conhecimentos e preceitos de intervenção em um livro foram parcialmente alcançados, uma vez que reconhecemos que esta experiência é inicio de uma pesquisa teórica e prática, e, ao mesmo tempo, servindo de base para meu próprio manual de atuação em restauro, o qual também foi investigado outras plataformas de acesso a este conteúdo, sendo criado a página hipermídia www.artdorestauro.blogspot.com
Sobre as etapas trabalhadas na restauração do livro, observamos que ocorreu uma redução nas áreas com manchas de umidade e ataques dos microrganismos. Ao analisar a proposta inicial de procedimentos de tratamento, observamos que alguns itens não foram executados, como por exemplo, a imunização do estofo da capa, a qual não realizamos devido a ausência de ataque ativo de insetos xilófagos no estofo. Durante os procedimentos, outras situações surgiram durante o tratamento, uma das mais significativas quanto ao suporte do livro, foi o aumento da medida do dorso da encadernação que, após obturação feita em todos os fólios e um possível excesso de polpa ocasionou um aumento no dorso. Na montagem final, os cadernos obteve um aumento de quase dois centímetros, o que fez com que o revestimento não coubesse no livro quando executamos a montagem, tendo assim, que realizar um corte na capa de couro, sendo acrescentado um enxerto. Os procedimentos realizados permitiram conhecer as técnicas e materiais particulares, buscando a compatibilidade de materiais, resistência, aplicabilidade e reversibilidade em todas as etapas do restauro.
Outras vias metodológicas para analisar as técnicas e materiais de procedimentos em preservação, conservação e restauro em papel podem variar de ensinamentos de escola para escola. Creio que este exercício de restaurar, contribui para um acúmulo de experiências, potencializando alcançar e lançar luz aos novos meios de obtenção de informações e criando referenciais para selecionar e adaptar uma variedade de materiais e técnicas com critérios e fundamentação. Os procedimentos utilizados por um restaurador podem se diferenciar entre si, chegando a um mesmo resultado em ambos os casos. Com a repetição das técnicas utilizadas, o restaurador vai criando sua própria forma de trabalho dominando as ações e aperfeiçoando seus resultados.
Através das ações e observações das alterações estéticas e estruturais ocorridas na restauração, espera-se contribuir para a história e a conservação do livro. A descrição exaustiva e detalhada dos procedimentos oferecerá aos próximos restauradores às informações relevantes deste processo e assim perceber a distinção de cada etapa de trabalho, trazendo um maior conhecimento às investigações produzidas em cada época e que são capazes de potencializar seu pensamento de envolvimento e relacionamento com a obra de arte.






Referências Bibliográficas

ATTWATER, Donald. Dicionários de Santos. (trad. Maristela R. A. Marcondes, Wanda de Oliveira Roselli). São Paulo: Art Editora, 1991.
BOHRER, Alex Fernandes. Mecenato e Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34. In.:Anais do XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Belo Horizonte, 2004.
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. São Paulo: Ateliê, 2005.
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasilia: Editora da UnB, 1999.
COLI, Jorge. O que é Arte. 15ª ed., Editora Brasiliense, São Paulo, 1995.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Editora perspectiva, 1972.
FEBVRE, Luciem. O aparecimento do livro. São Paulo: Editora Estadual Paulista, 1992.

HAUSER, Arnold. O Conceito de Barroco. Ed. Veja. São Paulo, 1997.

HEISENBERG, Werner. A parte e o todo. Rio de Janeiro; Contraponto, 1996.
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LE GOFF, Jaques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão; 5º Ed. Campinas: SP: Editora da Unicamp, 2003.
MACARRÓN MIGUEL, Ana Maria. Historia de la Conservación y la Restauración. Madri: Tecnos. 1997. p. 13. Apud, A Trajetória Histórica da Conservação-restauração de Acervos em Papel no Brasil. Aloisio Arnaldo Nunes. Tese de mestrado, 2008.
NUNES, Aloisio Arnaldo. A Trajetória Histórica da Conservação-restauração de Acervos em Papel no Brasil. Aloisio Arnaldo Nunes. Tese de mestrado. 2008.
OLIVEIRA, Myriam Andrade de.A imagem religiosa no Brasil. Mostra do Redescobrimento/Arte Barroca. São Paulo: Fundação Bienal de São Pau, 37-79, 2000
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2002.
VIOLLET-LE-DUC, Eugene Emmanuel. Restauração. Cotia: Ateliê Editoria, 2006.
VIÑAS, Salvador Muñuz. La Restauracióndel Papel. Ed. Tecnos. Espanha: Madri, 2010.
RUSKIN, John. A Lâmpada da Memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
SABOIA, Lygia. GRAVURA – Histórias, Técnicas e Relações com a Impressão Papel Moeda

SANTIAGO, Andréa. Usos e Impactos de Impressos Europeus na Construção do Universo Pictórico Mineiro (1777-1830). Tese de Doutorado, Belo Horizonte, 2009








(Clique na imagem para ampliá-la)































Relataremos neste texto os procedimentos da disciplina Conservação e Restauração de Papel II, ministrada por Williene Nascimento, nos meses de Agosto Setembro e Outubro de 2014.




Linguagem
Dos gestos, Sons e palavras...

Toda história do homem sobre a Terra, constitui um permanente esforço de criação e comunicação. Desde que os homens passaram a viver em sociedade, o nível de progressos nas sociedades humanas pode ser atribuído, à maior ou menor capacidade de criação e comunicação entre os povos.
A história dos meios de comunicação, da qual o jornal é um dos principais personagens, se inicia no momento em que os integrantes de um primitivo agrupamento humano começaram a se entender por gestos e sons indicativos de objetos e intenções. Em seguida com base nessa experiência, surgiu a linguagem oral, concebida numa primeira fase, como um elenco de nomes próprios. Em seu livro A técnica da comunicação humana, Penteado coloca que “na linguagem falada contamos com uma série de reforços que não temos na escrita: os gestos, as expressões fisionômicas, a maneira de olhar, a entonação” diferentes sinais, que se entrecruzam facilitando a transmissão do significado. 
Com o passar do tempo, do nome próprio nasceu o nome comum, isto é, a palavra que não se limita a indicar um determinado objeto, mas sim todos os objetos de uma mesma espécie. Mais tarde o homem aprendeu a reproduzir, pelo desenho, a figura de animais, plantas e cenas da natureza. Um dia o homem gravou uma marca à qual atribuiu um significado e, a partir desse primeiro sinal lançou os fundamentos daquilo que viria a ser a escrita. Segundo Gutierrez “através da escrita, o espírito humano quase consegue tornar-se independente dos objetos sensíveis. Por esta razão, a escrita alfabética é considerada como um meio quase infinito de aculturação. Porém, por outro lado, a escrita é condicionante. Na escrita, os signos se mantêm uma ordem social que caracteriza o homem das diferentes épocas históricas”
A escrita admitiu sua disseminação pelo transporte, facultando a comunicação à distância, nascendo assim o primeiro meio de comunicação de massa, a tipografia, entenda-se como a técnica de imprimir sinais gráficos. Variadíssimas foram os meios empregados para a fixação dos sinais gráficos: pedra, madeira, conchas, barro cozido, metais, ossos de animais, cascas e folhas de arvores, talos de bambu e papel.


A invenção do Papel

            A invenção do papel é creditada aos chineses há 105 d. c., a partir da casaca da amoreira, restos de roupa e redes velhas, criou-se o princípio básico que é usado até hoje na fabricação do papel.
           Os espécimes que chegaram até os nossos dias provam que o papel feito pelos antigos chineses era de alta qualidade, que permite, até mesmo, compará-los ao papel feito atualmente.
            Os papéis utilizados hoje em nossa vida cotidiana (jornais cadernos, livros, etc.) são feitos de celulose encontrada nas árvores.
 A grosso modo, a fabricação do papel inicia-se com a coleta de troncos de árvores onde extrai-se a celulose e a mesma passa por vários processos até chegar ao papel que conhecemos. Este processo se divide em três etapas, sendo a primeira etapa a preparação da polpa, que tem como objetivo facilitar a separação das fibras e melhorar sua propriedade. A segunda etapa é o Alvejamento, que consiste em branquear o papel,  garantindo a obtenção de polpas de alvuras elevadas, com mínima degradação da celulose e a terceira etapa a Refinação, que consiste na formação da folha, que é a transformação da pasta branca em papel.  


HISTÓRIA DO LIVRO E DA ENCADERNAÇÃO

SURGIMENTO DA ENCADERNAÇÃO

A encadernação, uma das mais antigas práticas de conservação preventiva, surgiu com a passagem do rolo (volumen) ao códex (em cadernos), formato que se sistematizou no Império Romano a partir do século I. A origem da encadernação está na razão direta do aparecimento do livro, como o compreendemos hoje. Encadernar é a operação de juntar as folhas de um livro, costurando os cadernos e cobrindo o corpo do volume com uma capa mais grossa e sólida que a folha vulgar, com a finalidade de protegê-lo e embelezá-lo. Os primeiros livros eram compostos por folhas simples de pergaminho dobradas ao meio, formando cadernos. (Apostila de Conservação e Restauração de Papel II p.7/2014)

Os formatos e métodos da encadernação foram evoluindo em diferentes períodos tendo passado pelo bizantino (século IV a VI), Medieval (séc. XII), e renascença (séc. XV) quando a encadernação sai dos mosteiros para os ateliês.

O livro trabalhado

Descrição:

Livro com capa dura. Encadernação inteira com a cor do título em azul. Contém duas pinturas policromadas com a figura a direita de um homem de perfil, realizada por Piero Della Francesca, tendo como título da obra Federico da Monte Feltro, e a esquerda contém uma figura feminina de perfil com o título Battista Sforza do mesmo realizador. Na lombada consta o título da obra em azul, e na parte inferior uma etiqueta de identificação do proprietário. No verso contém informação da obra, impressa na cor preta. Na pasta anterior abaixo as figuras encontra o logotipo e o nome da editora.
No espelho da guarda, encontra-se um envelope contendo duas fichas. Possui carimbo nas três primeiras páginas. Na folha de guarda tem uma etiqueta com o numero de registro do proprietário 700 L 651 / 1984




Técnica construtiva:

Corpo do livro coberto com papel de pasta química, com a pintura da pasta anterior policromática, sem cantoneiras. Lombada manuscrita com etiqueta sem nervos. Costura industrial. Sem decoração. Cabeceado industrial. Cantoneira de papel. 
          
  Tipo da obra: livro. Encadernação com capa dura

  Camada pictórica: Policromática


Análise do estado de conservação:

Na pasta anterior contém manchas. Amarelecimento nas bordas superiores. Perda na cantoneira inferior. Sujidade na canaleta anterior. Lombada rompida e com perdas. Carimbo nas três primeiras páginas. Na folha de guarda encontra-se uma etiqueta, e no espelho da guarda um envelope fixado com duas fichas. Lombada soltando. Anotações com lápis nas páginas 7, 11, 12, 13 e 66. Carimbo nas páginas: 45, 93 ,104. Sujidade na borda superior de todas as folhas. Sujidade e carimbo no corte da frente. Contra capa com risco de tinta.


Camada pictórica: Manchas na pintura do corpo do livro

Testes:  Ph alcalino 7 – medido em 25/08/2014








Análise do estado de conservação

Riscos, grifo, rabiscos, notas etc.

 É muito comum riscos, rabiscos, e notas em livros correntes de bibliotecas, muitos são irreversíveis. Usar somente borracha para tentar limpar. Obs.: qualquer anotação deve ser avaliada pelo profissional, pois somente depois de constatar que são atos de vandalismo e que comprometem a obra é que decidi se vai ou não apagar. Cada livro tem procedimentos diferentes, um livro corrente possui tratamento diferente de um livro especial, raro, etc. (Apostila de Conservação e Restauração de Papel -  p. 52/ 2014)




Higienização

A Higienização tem como objetivo remover as sujidades superficiais aderidas, retirada de poeira, restos de linhas usada na costura, resíduos de cola, resíduos estranhos aos documentos, etc.
O primeiro procedimento realizado no livro foi a higienização, a qual pode ser executada com o  uso de swob, limpeza com trincha e limpeza com pó de borracha. 

SEGUNDO COBRA, (2003: p.56), “higienização é o processo de remoção de poeira, insetos e materiais estranhos aderentes aos objetos que os danificam ou de alguma forma contribuem para sua depreciação”. O material que deve fazer parte do equipamento para essa atividade é trincha com cerdas macia 3”, juba ou “bigode”, papel branco tipo sulfite ou mata-borrão, luvas descartáveis, máscara descartável e jaleco. (Apostila FAOP - Conservação e Restauração de Papel/2014 - p.49)


            Ação 1 – A limpeza

Iniciamos a limpeza do livro preparando o local onde iríamos trabalhar, após pegar os materiais no ateliê assim como, Trincha, mata borrão para a proteção do livro, pó de borracha, boneca e swobs. Com uma trincha com as cerdas macias, limpamos folha por folha do livro, sempre do centro para as extremidades.

Para a remoção de manchas e sujidades aderida na capa e contra capa, utilizamos borracha plástica a qual ralamos em um ralador de cozinha, e com o auxilio de uma “boneca” que também confeccionamos; este processo consistiu em colocar o pó da borracha em um pedaço de pano em seguida um algodão, onde foi amarrado com um barbante. Durante a limpeza, realizamos pequenos movimentos circulares controlando o atrito do pó da borracha sobre o papel (foto Z). Quando o pó da borracha foi ficando escuro, trocamos, passando uma trincha.







Higienização com swob

Materiais: Agua deionizada, EDTA 4% e detergente detertec.

Dentre os três tratamentos da limpeza, a que obteve melhor resultado foi o EDTA 4% pelo fato de ter uma densidade e concentração maior que a água e o detergente.






REMOÇÃO DE ETIQUETAS E FITAS ADESIVAS

Para a retirada de adesivos colantes como as etiquetas, foi utilizado bisturi e agua deionizada . Por conta da capa ter uma fina película plastificada, contribuiu para a remoção. Em um procedimento mais delicado, onde se tem a dificuldade da remoção, opte em realizar este processo com uma lamparina sempre aquecendo o bisturi para facilitar o desprendimento da etiqueta.

Fitas adesivas – coloque um papel mata-borrão embaixo da folha a ser trabalhada. Faça os devidos testes com solventes. Acetato de etila – Acetona - deve ser aplicado com o uso de um palito envolto com algodão, SWAB ou um cotonete, somente em cima das fitas, evitando o contato com o documento. Aplique e aguarde a reação; retire a fita usando, cuidadosamente o bisturi ou espátula. (Apostila Conservação e Restauração de Papel/2014 - p.52)





A Capa

No procedimento de remoção da capa do corpo do livro, desprenda a folha de guarda da capa, em seguida, com um bisturi corte as linhas da costura.




Ato 2 – Retomando os procedimentos Relizados

Procedimentos: Reconstituição do suporte
Pequenos reparos
Complemento do suporte
Reforço da lombada da capa


Reforço da lombada da capa

Após o desprendimento da capa com a folha de guarda, planifique a canaleta na contra capa utilizando um swob umedecido com agua deionizada e um apoio para planificar. E se houver resquícios de materiais remova-os.




Após a umidificação da lombada


Foram realizados pequenos reparos pontuais com o objetivo de evitar danos maiores no futuro (remendo nos rasgos com CMC e papel japonês 10 gr.) para evitar perdas do suporte, em seguida foi revestido com papel japonês 30 gr. E CMC com PVA (1:1). O papel japonês deve ter um acabamento discreto e não pode ser cortado com tesoura, usar sempre um swob úmido para cortar o papel japonês (Foto L).



Foto L – Preparação do Papel japonês




Na parte superior da lombada da capa, realizou-se o reforço com papel artesanal. Em seguida, foi colocado um filifold na parte superior e inferior para criar maior resistência.



Estado do reforço da lombada




Com uma lixa d´agua 400 realizamos a remoção dos ferpos (as sobras) do papel calandrado da contra capa sendo revestido com papel japonês 30 gr. Em toda a coifa trabalhada.



Ato 3 – A volta do corpo a capa

Realizamos a colagem do revestimento da capa na lombada com CMC 4% com PVA. Em seguida colamos a contra capa com a folha de guarda. As bordas foram desamassadas com agua deionizada sendo colocados pesos para planificação da mesma.




Após a colagem do corpa a capa




Áreas faltantes

Nas partes onde houve perdas do suporte. Foi realizado o preparo com massa de obturação, para assim, ser inserido o enxerto nos orifícios da lombada. Realizamos uma breve pesquisa da cor do papel, com a intenção de buscar uma mesma textura e cor do papel do livro, para que o enxerto fique mais próximo do original. O papel que mais se aproximou com a textura e cor da capa foi o papel artesanal. Então trituramos pequenos fragmentos de papel artesanal + CMC e agua deionizada.



                                                                       Papel artesanal triturado                                                      Preparação da Massa para obturação



Cortado os fragmentos do papel artesanal, foram misturados os materiais com auxilio de um bisturi, o qual facilita na trituração do papel; criou-se uma massa homogênea. Este procedimento chama-se maceração, e foi realizada manualmente na superfície de uma pedra de mármore. Após a formação da massa, acrescentamos PVA para uma melhor fixação. Com uma espátula colocamos a massa nos orifícios e pequenas perdas da capa e lombada. Com uma lixa 400 realizamos o acabamento.




                                                   Obturação nas bordas                                                                                                             Bisturi em ação com massa de obturação






                                                  Antes da intervenção na lombada                                                                                                                                Após intervenção





Considerações finais 

Os procedimentos realizados permitiu conhecer e trabalhar técnicas e materiais particulares, sendo para cada técnica e período variam os materiais e procedimentos, sempre buscando a compatibilidade de materiais, resistência, aplicabilidade, aglutinação, retratabilidade e toxidade.



                                Estado inicial, antes da intervenção





                                     Resultado Final






Leituras

PENTEADO, Witaker Jr. A técnica da comunicação humana. 10 ed. São Paulo: Livraria pioneira editora, 1987

GUTIERREZ, Francisco P. Linguagem Total: Uma pedagogia dos meios de comunicação. 3ºed. São Paulo: Sumnus, 1978

Apostila FAOP´- de Conservação e Restauração de Papel/2014

Apostila FAOP - de Química II/2014