“Eu tenho um problema.
É o
seguinte:
quanto tempo duram as coisas?
Se eu deixar uma folha
de papel num quarto fechado
ela atinge a
eternidade?”
Um sopro de vida – pulsações
Clarice Lispector, 1978
Resumo
Nesta experiência, buscamos descrever, através
da imagem e da escrita, textos teóricos, relatos, anotações e diários, um
trabalho prático de restauração e a sua metodologia de pesquisa. O texto faz parte do trabalho de
conclusão da disciplina Conservação e Restauração de Papel, na qual se restaurou um livro Missal do
século XVIII. Serão
descritos os dados de identificação da obra, seguidos da descrição física,
análise formal, análise da técnica construtiva, análise do estado de
conservação, proposta de tratamento, além dos procedimentos técnicos
trabalhados. Abordaremos técnicas e materiais de cada etapa, iniciando com o
desmonte do livro, seguidos do mapeamento, banho aquoso, obturação mecânica e
manual, costura e montagem. A proposta de tratamento
baseou-se no estado de conservação do livro e no interesse em restituir a
integridade física do suporte fazendo, para tanto, o procedimento de obturação
na MOP. Iniciaremos com uma breve
reflexão colocando alguns conceitos sobre restauro com o foco em questões inerentes à criação
artística, tomando-o como fruto de uma prática cultural, e as relações
estabelecidas junto ao coletivo.
Palavras-chave: Papel, Livro,
Missal, Restauração, Minas Gerais, Brasil.
Introdução
O
objetivo da pesquisa é descrever a investigação teórica sobre a restauração de
um livro e analisa-la no intuito de conhecer os procedimentos e os materiais
utilizados no processo de restauro, para tanto, levantaremos as principais técnicas
quanto ao período e as formas de execução. O trabalho foi realizado nas
disciplinas de Conservação e Restauração
de Papel III e IV sob orientação de Carolina Concesso Ferreira, no Curso Técnico
em Conservação e Restauro da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP).
No
texto serão descritos os dados de identificação da obra, que aborda informações
de sua origem, técnica, título, autor, etc. Seguidos da descrição física da
obra, descrevendo a obra e seus atributos de forma detalhada. Posteriormente
analisaremos a iconográfica, buscando seu significado histórico-religioso, em seguida
a análise da técnica construtiva, descrevendo a história e os materiais de
construção do objeto, desde o suporte a camada pictórica. Na análise do estado
de conservação, detalharemos todos os tipos de degradação. Em seguida,
descreveremos a proposta de tratamento, além dos procedimentos técnicos
trabalhados, referente à restauração do missal, que se caracteriza por um livro
usado nas missas de rito romano para as leituras próprias do celebrante (um
clérigo). A obra é originária da Igreja Matriz de São Bartolomeu, distrito de
Ouro Preto.
Documentou-se,
além da escrita, por meio de registros fotográficos, os quais nos permitiram
conhecer o estado de conservação da obra, desde a sua chegada, percorrendo pelo
estado da obra durante todo o processo de intervenção, até a sua finalização.
No texto introdutório estão
destacados alguns conceitos sobre preservação, conservação e restauração e alguns
autores reconhecidos nessa área, assim como Cesare Brandi, que aborda a
restauração enquanto momento metodológico do reconhecimento da obra, assim,
buscaremos entender os conceitos trabalhados pelo autor, o qual menciona que os
valores artísticos prevalecem sobre os
históricos, de modo a adaptar as novas exigências e sem cometer uma falsificação artística tampouco uma
falsificação histórica. Para tanto, elaborou-se um quadro histórico
considerando as principais correntes teóricas da conservação. A abordagem
teórica sobre tais conceitos, terá como respaldo os teóricos Violletle Duc
(2004), Ruskin (2004), Boito (2003) e Brandi (2005).
1.
Dados de Identificação
Título da obra: Missal Romano
Autor: S/R
Dimensões: 22,5 x 27 x 8,5
cm
Técnica: Impressão
tipográfica sobre papel de trapo
Época: provavelmente 1759
Origem: Provavelmente
Antuérpia
Procedência: São Bartolomeu /Ouro
Preto-MG
Proprietário: Igreja Matriz de
São Bartolomeu
Data de entrada:
28/05/2015
Data de saída: 19/01/2016
Responsáveis: Andréa
Dalbosco; Clara Vilar; Ernesto Alves; Marcelo Fernando; Maria Cecília; Paula
Lara.
Histórico
São
Bartolomeu
Com a descoberta de Minas Gerais
em 1668 o barroco veio a ter grande influencia na construção de pensamentos e
criação de objetos de artes. No arraial de Villa Rica temos ainda hoje grandes
registros desse período colonial brasileiro. Situada entre duas encostas de um
sinuoso vale, marcado por montanhas, as mesmas, que após acordar, a tropa
chefiada por Antônio Dias, avista entre as névoas do amanhecer o Pico do
Itacolomi. A montanha era o ponto de referencia de localização da região, sendo
guia do capelão Padre Faria, acompanhado das tropas dos bandeirantes. A vila
originou-se do processo de agregação de diversos arraiais de garimpo de ouro. O
arraial de minas do ouro foi oficialmente confirmado como “Villa Rica” por
decreto real em 1712. Após a confirmação de que nessa terra se encontrava ouro
puro, a disputa pela pedra veio a acarretar em vários conflitos e confrontos
entre o homem branco, índio, negro, caboclo e mestiço.
O livro Missal é
originário da Igreja Matriz de São Bartolomeu, localizado a 15 quilômetros de
Ouro Preto. O local se encontra dentro da floresta Uaimii. O Arraial do
Apóstolo de São Bartolomeu é uma dos mais antigos de Minas, sendo seus
documentos datados do fim do século XVII. Um local de marco importante da
região é o Rio das Velhas, o curso do rio foi usado como uma das principais
entradas das bandeiras vindas de São Paulo. O rio ficou famoso pela facilidade
de encontrar ouro e pedras preciosas, e foi a partir da ocupação de suas
margens, que se originou a povoação.
A região é rica na
produção agrícola, sua produção de doces é destaque na região, cujo modo de
fazer foi registrado como patrimônio cultural imaterial. A igreja Matriz,
dedicada a São Bartolomeu, carregam vestígios do estilo nacional-português. A
igreja foi construída no mesmo local onde da primeira capela do distrito,
dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Acredita-se que são Bartolomeu é Natanael,
um dos apóstolos de Cristo.[1]
Livro com capa dura, cujo estofo compõe-se de madeira com revestimento em
couro. O suporte sobre o qual redigiram o livro é de papel de trapo. O miolo do
livro contém 5 fólios por cadernos em um total de 54 cadernos.
[1]Informações
retiradas em: www.ouropreto.com.br/canal/artigo/saobartolomeu em 08 de Outubro
de 2015
3.
Apontamentos acerca da história do livro
A história da evolução
do livro se inicia no século II, passando pela Idade Média até as publicações
contemporâneas. O livro sempre exerceu influencia na formação do espírito
humano e na difusão de ideias e conhecimento. Segundo Chatier:
Manuscritos ou impressos, os
livros são objetos cujas formas comandam, se não a imposição de um sentido ao
texto que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as
apropriações as quais são suscetíveis. As obras, os discursos, só existem
quando se tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro,
transmitidas por uma voz que lê ou narra, declamadas num palco de teatro.
Compreender os princípios que governam a ‘ordem do discurso’ pressupõe decifrar
com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de
comunicação e de recepção dos livros (e de outros objetos que veiculem o
escrito). (CHATIER, 1999, p.8)
O autor nos faz
perceber que as histórias transpassadas não são casuais, tem-se uma intenção ao
se redigir as palavras através da escrita, muita vezes na leitura do todo, este
significado se dissolve, ou seja, não o percebemos.
Em seu texto, O Aparecimento do Livro, Lucien Lebvre
aponta os primeiros indícios do aparecimento do livro e coloca que,
ao
longo dos sete séculos que decorrem desde a queda do Império Romano até o século
XII, foram realmente os mosteiros e, acessoriamente, o conjunto dos outros
estabelecimentos eclesiásticos que conservaram o monopólio quase integral da
cultura livresca e da produção do livro. Não é menos certo, por outro lado, que
a partir do final do século XII interveio uma profunda modificação e que as
transformações intelectuais e sociais, traduzidas especialmente pela fundação
das universidades e pelo desenvolvimento da instrução entre leigos, ao mesmo
tempo em que se formavam uma nova classe burguesa, tiveram repercussões
profundas nas condições em que os livros eram compostos, escritos, copiados e
difundidos. (FEBVRE, 1992, p.22)
Os livros produzidos na Europa durante
o século XVII chegavam ao Brasil com facilidade, construindo e moldando nossa
forma de entendimento da realidade. Em Minas, em particular, esses livros
contribuíram para o grande desenvolvimento da cultura social e política do
Brasil durante o período colonial,
os
primeiros exemplares chegaram com os jesuítas, no século XVI. No século XVII,
os volumes mais comuns nas bibliotecas eram os catecismos, resumos de histórias
santas, diretivas, exercícios espirituais, livros de novenas, orações e manuais
para melhor aproveitar os sacramentos. (SANTIAGO, 2009,pag.24)
O objeto de estudo deste trabalho,
o missal romano, caracteriza-se por ser um livro usado nas missas de rito
romano para as leituras próprias do celebrante (um clérigo). Os missais tinham
por finalidade “uniformizar e coordenar as orações da comunidade de fiéis, que
acessavam seus dizeres por intermédio da voz do celebrante. Orientava-se para a
coletividade e inseria-se numa prática sociabilizada de leitura”. (SANTIAGO,
2009, p. 214)
A norma de oração do missal, esta
em consonância com as normas da fé, é uma simulação de ato teatral, reforçado
pela musica, pelo incenso e pela iluminação das velas, criando um ambiente de
estímulos perceptivos onde os receptores são atingidos por diferentes meios
cognitivos.
Os missais orientam o cotidiano das
celebrações litúrgicas, colocando a maneira como o livro deveria ser lido, e em
quais dias.
É importante
ressaltar de quem organizava os ritos, os quais os missais tiveram um
importante papel na difusão das ideias do período colonial, tinham como
protagonistas as Irmandades. Em seu texto Mecenato e Fontes Iconográficas na
Pintura Colonial Mineira, Alex Bohrer
caracteriza o missal apresentando sempre a mesma estrutura básica, segundo o
autor:
uma capa (com o nome completo do Missal, a cidade de
impressão, a tipografia, a data e, em grande numero de missais uma pequena
gravura), uma contra capa, uma apresentação em latim (feita por um ou mais
papal), textos litúrgicos (em latim), partituras de musicas sacras, pequenas
ilustrações, tudo entremeado por gravuras principais. (BOHRER, 2004, p. 5)
Geralmente as
gravuras[1] de pagina inteira eram dispostas na página esquerda dos
missais e representavam : Anunciação, Natividade, Epifania (adoração dos magos),
Crucificação, Ressureição, Ascenção de
cristo, Pentecostes, Santa Ceia, Assunção da virgem, Santíssima Trindade.
[1]O termo Gravura é a denominação genérica das
técnicas que permitem obter imagens por meio de matrizes. A técnica da gravura em Metal começou a ser
utilizada na Europa do século XV. Em seu texto A Gravura a pesquisadora Ligia Saboia nos deixa uma luz sobre as
primeiras gravações, “a primeira gravura em metal de que se tem notícia é
datada de 1446, intitulada Christ Crowned with Thorns. Alguns autores
consideravam que o inventor da gravura em metal foi o Mestre das Cartas de
Baralho, um joalheiro suíço”. As matrizes da gravura pode ser placa de cobre,
zinco ou latão. Estas são gravadas com incisão direta ou pelo uso de banhos
ácidos. Agua forte, agua tinta e ponta seca são as técnicas mais usuais. A
matriz é entintada e utiliza-se uma prensa para transferir a imagem para o papel.
Os
temas destas gravuras principais obedeciam a liturgia vivida pela igreja
durante o ano, “essas estampas situavam-se imediatamente
antes do texto referente à cerimônia alusiva à passagem representada nas
imagens.” (SANTIAGO, 2009, p.226). Os missais
foram responsáveis pela popularização e reprodução das imagens neles
retratadas, determinando assim as gravuras, estas gravuras eram almejadas por
comitentes e artistas.
As casas impressoras usavam
manancial restrito de pranchas para ilustrar cada uma das passagens do Missal,
ou seja, a mesma gravura era impressa em vários livros trazidos à luz por uma
mesma tipografia. Revela-se, assim, que a função das imagens relacionava-se
intimamente com o texto, não tendo uma autonomia estética que justificasse a
abertura de novas matrizes. (SANTIAGO, 2009, p.226)
Em sua pesquisa sobre
os livros e vocabulário iconográfico, Camila Santiago nos coloca que:
a maioria dos missais
encontrados, e possivelmente a maioria dos que circulavam na época, vinha da
Tipografia de Plantin, sobretudo os impressos até a década de 60 do século
XVIII, e da Impressão Régia, cuja primeira edição é o missal de 1775, ainda sob
o privilégio concedido a Francisco Gonçalves Marques. (SANTIAGO, 2009, p. 228)
oi realizada de forma
a fazer com que a linha se cruzasse no interior do caderno. Os nervos são utilizados
para garantir a união entre o miolo do livro, seu estofo e revestimento.
Segundo Camila Santiago:
Há um código interno de leitura
nos missais que se materializa nas cores das tintas usadas na impressão: preta
ou vermelha. O vermelho é usado, em algumas partes do livro, com a finalidade
puramente decorativa de intercalar-se com as letras pretas. Assim ocorre,
geralmente, nos títulos e subtítulos. Nas partes iniciais do Missal, em que a
maioria dos escritos tenciona guiar a leitura do padre e seu comportamento nos
ritos, o vermelho é utilizado nos trechos que o eclesiástico deve ler, em voz
alta, para todo o grupo dos assistentes da cerimônia. O que está impresso em
preto, por sua vez, refere-se às orientações para o religioso. (SANTIAGO, 2009
p.16)
4.1. A invenção do Papel e o Papel de
Trapo
Antes de colocar as características
da produção do papel de trapo, será oportuno descrever os principais suportes
dos veículos de informação até os nossos dias.
Grande parte do acervo documental e
bibliográfico da humanidade encontra-se, em sua maioria, em suporte de papel. O
papel é um material sensível à degradação, levando em conta diferentes fatores,
a sua degradação mais comum é a acidificação da celulose da qual é composto.
A invenção do papel como conhecemos
hoje é creditada aos chineses em 105 d. C., a partir da casca da amoreira,
restos de roupa e redes velhas, criou-se o princípio básico que é usado até
hoje na fabricação do papel. Os exemplares que chegaram até os nossos dias
provam que o papel feito pelos antigos chineses era de alta qualidade, que
permite, até mesmo, compará-los ao papel
feito atualmente. Os papéis utilizados hoje em nossa vida cotidiana
(jornais, cadernos, livros, etc.) são feitos de celulose encontrada nas árvores.
Em seu livro La Restauracióndel Papel, Salvador Viñas coloca a definição mais
corrente sobre o papel ao dizer que “el papel como um produto de forma laminar
que está compuesto por fibras vegetales sueltas dispuesta de forma aleatória, o
por acortar aún más, como uma lámina formada por fibras vegetales sueltas
aleatoriamente dispuesta”. (VIÑAS, 2010, p.27)
Em sua composição básica, a
fabricação de papel consiste na preparação da pasta, que após o processamento
temos a formação do papel.
A proposta de tratamento baseou-se
no estado de conservação do livro e no interesse em restituir a integridade
física do suporte fazendo, para tanto, o procedimento de obturação na MOP. Inicialmente,
foram propostos os seguintes procedimentos:
- Documentação fotográfica de todas as etapas;
- Mapeamento dos cadernos desmontados;
- Desmonte total;
- Limpeza aquosa;
- Desacidificação;
- Obturação dos fólios na MOP;
- Reconstituição da costura;
- Imunização do suporte (estofo);
- Consolidação do suporte (estofo);
- Complementação dos fechos;
- Acondicionamento.
7. Procedimentos realizados
Após recebermos o Missal, a
primeira etapa realizada foi o preenchimento da ficha de identificação da obra,
além do mapeamento e da documentação fotográfica, as quais nos permitiram
conhecer em detalhes o estado de conservação da obra, desde a sua chegada,
percorrendo pelo estado da obra durante todo o processo de intervenção, até a
sua finalização.
7.1.
Desmonte
e Mapeamento
Realizou-se o mapeamento do livro,
conferindo a ordem das páginas e a organização da encadernação, a fim de
avaliar se o livro estava organizado de forma correta. Os fólios vieram
desorganizados, fora da ordem da costura, então, realizamos uma organização
inicial, para encontrar a ordem correta dos fólios, em seguida, numeramos cada folha,
e por último elaboramos o mapa de caderno a qual tem como representação gráfica
dos fólios soltos.
Cada fólio foi numerado, em seguida,
inserida em uma tabela específica de mapeamento, após a numeração uniu-se com
linhas os números das páginas, que unidas ligavam os fólios da encadernação. Um
exemplo deste processo é pensar em um caderno com 5 fólios, em um total de 10
páginas, o primeiro fólio do caderno seria a página 1 e a última a página 10; o
segundo fólio seria a página três receberia a numeração dois e estaria ligado
ao fólio de número 9, e assim sucessivamente. Esta representação no mapeamento
se dá pelas linhas contínuas de duas páginas que se encontravam unidas. A linha
tracejada entre as duas páginas indica que as páginas que compunham um fólio
encontram-se separadas. A linha contínua abaixo da página indica que a mesma
não foi encontrada. (Ver Anexo 1)
7.1. Higienização Mecânica
A higienização mecânica tem como
objetivo remover as sujidades superficiais aderidas, retirada de poeira,
resíduos de cola, resíduos estranhos aos documentos, etc. O primeiro
procedimento realizado no livro foi o desmonte, em seguida, a higienização
manual, realizada com uma trincha e com pó de borracha. Segundo Cobra (2003):
a
higienização é o processo de remoção de poeira, insetos e materiais estranhos
aderentes aos objetos que os danificam ou de alguma forma contribuem para sua
depreciação. O material que deve fazer parte do equipamento para essa atividade
é trincha com cerdas macia 3”, juba ou “bigode”, papel branco tipo sulfite ou
mata-borrão, luvas descartáveis, máscara descartável e jaleco. (COBRA, 2003, p.
56)
Iniciamos a limpeza do livro
preparando o local onde iríamos trabalhar, em seguida, organizamos as
ferramentas de trabalho, como: trincha, mata borrão para a proteção do livro, e
pó de borracha. Com uma trincha com as cerdas macias limpamos folha por folha
do livro, sempre do centro para as extremidades.
Para a remoção de manchas e
sujidades aderidas em diversas folhas, utilizamos uma “boneca”, composta por um
tecido sintético de nylon preenchida por algodão. Durante a limpeza, realizamos
pequenos movimentos circulares controlando o atrito do pó da borracha sobre o
papel. Quando o pó da borracha escurecia, trocávamos, passando uma trincha. Em
seguida, realizou-se a remoção de material aderido com bisturi.
O teste de solubilidade consistiu
em embeber o swab em água deionizada,
e aplicá-lo em uma área de pouca visibilidade da camada pictórica de uma imagem;
demos preferência em uma área onde a tinta gráfica estava em meio tom, para
assim termos melhor observação do resultado do teste. Em seguida, colocamos o
mata-borrão por cima, para absorver a água em excesso e observar tanto a ponta
do swab, quanto o mata borrão, se havia
a presença de tinta. Após o teste, observamos que não ocorreu a
descaracterização dos pigmentos, o que nos impulsionou para a etapa do banho
aquoso.
7.1. Banho de limpeza
No procedimento do banho de limpeza,
colocamos 5 fólios intercalados por entretelas, em seguida, mergulhamos em um
recipiente por 15 minutos, em solução de água
deionizada contendo 2% de álcool etílico P.A. e 0,5% de detergente laboratorial.
Segundo Viñas,
El acohol (o
etanol) es particularmente adecuado, por su inocuidade para el papel y para el
restaurador em condiciones de uso normales. La proporción de etanol que debe
añadirse al agua del baño no es crítica; em casos típicos, puede oscilar entre
50 y 100 ml por litro de agua, aunque pueden aumentarse o reduzirse según se
considere necessário. ( VIÑAS, 2010, p. 145)
Após o banho, realizamos o enxágue dos
fólios em 2 banhos de 10 min cada, em água
deionizada, com o objetivo de retirar os componentes químicos do banho,
em seguida, colocamos na secadora.
7.1. Banho de Desacidificação
A função do banho de
desacidificação é neutralizar a reação entre o ácido, contido no papel, e a
base de tratamento, protegendo o papel contra a redução do pH. A proposta
consiste em encontrar um tipo de substância química que possa ser utilizada
adequadamente e assim deixar um resíduo alcalino no papel após o tratamento
aquoso, e assim, prolongar a resistência
do papel aos ácidos que venham a se formar. Segundo
Viñas “cuando el hidróxido de cálcio
entra em contacto com el dióxido de carbono del aire, el hidróxido de cálcio
reacciona, formando carbonato de cálcio”. (VIÑAS, 2010, p. 198)
Antes de realizarmos o banho, os
fólios foram acomodados em grupos de 5 e intercalados por entretelas, em
seguida, em um recipiente adicionou-se água deionizada com uma solução de Hidróxido
de Cálcio com pH 7 por 30 minutos. Após este banho, em outro recipiente
adicionou-se água deionizada com uma solução de Hidróxido de Cálcio com pH 10
por mais 30 minutos. E, por fim, colocados em mata-borrão para secar em
temperatura ambiente. Após o banho houve
a redução e neutralização do pH.
7.1.
Obturação na MOP – Máquina Obturadora de Papel
A obturação do papel pode ser
realizada de duas formas, a mecânica ou manual.
A obturação mecânica é mais prática quando se tem um trabalho em série. No caso
do Missal, muitos fólios têm grandes perdas, por isso optou-se pelo
procedimento mecânico.
Antes do procedimento de obturação dos
fólios com a MOP, realizou-se a adesão de carcelas ao fundo dos cadernos dos
fólios que estavam rompidos e daqueles com perdas na área da costura, além de
remendos nas áreas muito fragilizadas dos fólios, que ao ir para a obturação na
MOP, poderiam rasgar. Utilizou-se o papel japonês de 10gr/m2 e tylose a 5%.
Para cada procedimento realizado na
MOP, a preparação da polpa tem que ser específica, pois a diferença de polpa
pode resultar em diferenças na gramatura do papel. Para realizarmos este
processo, realizam-se alguns cálculos partindo do princípio de que é necessário
confeccionar uma folha com a mesma gramatura dos fólios obturados, para
posteriormente subtrair o peso destes fólios. (Ver anexo 2)
Após, realizou-se uma pesquisa das
cores que poderíamos chegar para obter a mesma cor, com o objetivo de alcançar
a cor mais próxima do original. A mistura da polpa que mais se aproximou, foi a
mistura de 30% de panaluz preto de fibra longa, 30 % de panaluz laranja de
fibra longa, 30% de papel filtro branco e 10 % de panaluz castanho de fibra curta.
À essa mistura acrescenta-se 3% de carbonato de cálcio, calculado a partir do
peso final da fibra a ser utilizada na obturação, aumentando a alcalinidade da
fibra.
Na operação com a MOP os fólios
foram obturados em duplas e posicionados na máquina com as carcelas e remendos
voltados para baixo, tendo como suporte, telas de nylon. Os fólios foram
umedecidos, e a polpa, após ser batida em um liquidificador (sem corte nas
lâminas) foi adicionada à MOP. A sucção foi, então, acionada e as fibras
acomodaram-se nas áreas lacunares.
Após a retirada dos fólios da MOP,
realizou-se a encolagem, que tem como objetivo reforçar a união das fibras
adicionadas com o fólio obturado. O procedimento se deu por meio da aspersão
utilizando tylose a 2%. Em seguida, os fólios foram colocados entre dois
mata-borrões visando à absorção do excesso de umidade, em seguida, foram levados
à prensa.
Após a secagem dos fólios, o excesso
de papel decorrente do procedimento com a MOP, foi cortado, utilizou-se régua e
estilete, buscando atingir o seu tamanho de origem. Cortou-se, por fim, as
rebarbas pontuais com um bisturi.
7.1.Costura dos fólios
Após os banhos e a
planificação dos fólios, realizou-se a costura dos cadernos.
Para a execução da
costura, os fólios foram organizados em cadernos, utilizando o mapa de caderno
realizado no desmonte do livro. Em seguida, realizou-se um gabarito utilizado
para a marcação dos pontos de costura do livro, buscando seguir os vestígios
existentes na pasta da encadernação. Realizou-se o preparo do sisal utilizado
como nervo da encadernação, no qual se aplicou PVA, para uni-lo a outro cordão
de sisal, a fim de obter um cordão mais grosso, para assim, atingir a espessura
do nervo original existente na lombada do revestimento do livro. Utilizou-se a
linha Urso, na costura.
A folha de guarda
foi costurada junto aos cadernos do livro. A função da folha de guarda é fazer
a junção do miolo com a capa.
Para reforçar a
adesão entre os cadernos da costura e ainda realizar o arredondamento da
lombada, realizou-se a encolagem do dorso, aplicando uma camada de cola de
amido, na prensa de encaixe.
7.1. Cabeceado
A função do
cabeceado é uniformizar a extremidade da lombada, além de proteger o corte do
livro nas áreas próximo a coifa. O
cabeceado constituiu-se de um cordão de sisal revestido com papel japonês, foi
costurado ao livro utilizando os pontos de apoio da costura da encadernação.
O fitilho preto
encontrado entre os fólios no início do trabalho, estava bastante degradado,
não sendo possível sua inserção no livro, por isso, utilizamos um fitilho confeccionado
em cetim. Esse fitilho foi aderido à lombada antes da costura do cabeceado.
7.1.
Desmonte da Capa
Em
um primeiro momento houve o desmonte da capa do livro, que consistiu em
descolar o couro e o tecido do estofo da capa do livro com o uso de espátulas.
7.1.1. Tratamento do estofo
Para o tratamento
do estofo, realizou-se a limpeza da madeira com swab e CMC a 5%, com auxílio de bisturi, para facilitar a remoção
de papéis e adesivos. Após, realizou-se a limpeza com aguarrás e, por fim,
utilizou-se água deionizada para finalizar a etapa de limpeza.
Com o objetivo de
impermeabilizar o estofo e enrijecer a área de passagem dos nervos no estofo, aplicou-se
uma camada de paralóid a 5% (diluído em xilol) em toda a extensão do estofo, e
mais uma camada apenas nas áreas dos orifícios dos nervos. No metal foi
aplicado Paraloid a 5% com o objetivo de evitar a oxidação do metal.
A obturação do
estofo realizou-se com PVA, o qual foi aplicado em fissuras. A massa de
consolidação foi preparada com PVA e serragem, e aplicado nas lacunas e em
rachaduras na madeira nas quais havia considerável perda de suporte.
7.1.1. Tratamento do
couro
Para o tratamento
do couro da capa, realizou-se a limpeza preparando uma solução com 250 ml de
água deionizada, 5 ml de detergente industrial e 2 gr. de tylose. A tylose
serve pra deixar a solução mais pastosa, evitando que penetre no couro. A
hidratação do couro foi feita com Klucel e aplicada com swab.
Obturação da capa
Após inserir os
enxertos maiores na capa, realizou-se a obturação das lacunas menores.
Utilizou-se pó de couro e cola de amido, onde aplicou-se nos orifícios, com
auxílio de uma espátula.
Enxertos no revestimento do couro
Na complementação
do couro da capa, realizou-se o tratamento de enxerto, iniciando com a produção
de moldes para realizar o mapeamento das perdas, em seguida, escolhemos o material
para fazer o enxerto no revestimento do couro.
No enxerto, desbastaram-se
o couro nas partes onde as duas partes se encontravam, para assim, chegar ao mesmo
nível da capa. Realizou-se uma abertura no revestimento do couro na área de
junção entre a lombada e a pasta inferior, pois, após o tratamento do suporte,
percebemos que houve um aumento na espessura do mesmo. Este fato pode advir do
procedimento de obturação na MOP, realizado em praticamente todos os fólios,
considerou-se tal possibilidade, visto que mesmo após ter sido prensado, o
livro não reduziu a medida da lombada.
7.1.1. Montagem da
encadernação
Após o
procedimento do cabeceado, realizou-se a junção do suporte junto ao estofo.
Esta etapa consistiu em inserir os nervos no estofo, sendo seguidos os furos
originais do estofo. Em seguida, cortou-se com um estilete a sobra do sisal, e,
por fim, aplicamos um adesivo nos orifícios para fixar.
Realizou-se a
colagem da folha de guarda com cola de amido.
Após a adesão do estofo
à capa, o livro foi levado a uma prensa de encaixe, onde foi realizada a
marcação dos nervos, utilizando barbantes.
Fecho
Um dos fechos do
livro estava faltando, então discutimos sobre confeccionar outro fecho. Este,
foi confeccionado por outro profissional, e realizou-se o molde em um papel
vegetal, criado o fecho em cobre, sendo ele fixado junto o couro da capa.
Comparação
final do livro antes e após o restauro:
7.1. Confecção de embalagem
para Acondicionamento
Por fim,
realizou-se a confecção de uma embalagem para acondicionar o livro. Utilizou-se
papel Filifold Documenta de 300
gr/m2 e um cadarço de algodão cru foi utilizado para
fechar a caixa, evitando assim, o uso de adesivos.
Considerações finais
no
restauro em papel. Os objetivos da pesquisa foram restaurar um livro e analisa-lo
no intuito de conhecer os procedimentos e os materiais utilizados no processo
de restauro, investigar e levantar as principais técnicas, quanto ao período e
ao modo de trabalho. Devido à falta de registros documentais que pudessem
fornecer os subsídios necessários para a realização da pesquisa, foi preciso
recorrer à historiografia do livro e aos materiais que os constituem,
realizando assim, um trabalho interdisciplinar que envolveu os estudos
técnicos, cientifico, histórico, formais, iconográficos e estilísticos.
Nos conteúdos avaliados sobre os
conceitos de restauro, trabalhei com os alguns pensadores que se debruçaram
sobre a preservação, conservação e restauro permeando por um emaranhado de termos
culturais, sociais, políticos, entre outras articuladas pelos percursores
conhecidos e anônimos envolvidos na produção das ideias de seu tempo.
Ao explorar os procedimentos
particulares do restauro, o objetivo de registrar os conhecimentos e preceitos
de intervenção em um livro foram parcialmente alcançados, uma vez que
reconhecemos que esta experiência é inicio de uma pesquisa teórica e prática, e,
ao mesmo tempo, servindo de base para meu próprio manual de atuação em
restauro, o qual também foi investigado outras plataformas de acesso a este
conteúdo, sendo criado a página hipermídia www.artdorestauro.blogspot.com
Sobre as etapas trabalhadas na
restauração do livro, observamos que ocorreu uma
redução nas áreas com manchas de umidade e ataques dos microrganismos. Ao
analisar a proposta inicial de procedimentos de tratamento, observamos que
alguns itens não foram executados, como por exemplo, a imunização do estofo da
capa, a qual não realizamos devido a ausência de ataque ativo de insetos
xilófagos no estofo. Durante os procedimentos, outras situações surgiram
durante o tratamento, uma das mais significativas quanto ao suporte do livro,
foi o aumento da medida do dorso da encadernação que, após obturação feita em
todos os fólios e um possível excesso de polpa ocasionou um aumento no dorso.
Na montagem final, os cadernos obteve um aumento de quase dois centímetros, o
que fez com que o revestimento não coubesse no livro quando executamos a
montagem, tendo assim, que realizar um corte na capa de couro, sendo
acrescentado um enxerto. Os procedimentos realizados permitiram conhecer as
técnicas e materiais particulares, buscando a compatibilidade de materiais,
resistência, aplicabilidade e reversibilidade em todas as etapas do restauro.
Outras vias metodológicas para
analisar as técnicas e materiais de procedimentos em preservação, conservação e
restauro em papel podem variar de ensinamentos de escola para escola. Creio que
este exercício de restaurar, contribui para um acúmulo de experiências, potencializando
alcançar e lançar luz aos novos meios de obtenção de informações e criando referenciais
para selecionar e adaptar uma variedade de materiais e técnicas com critérios e
fundamentação. Os procedimentos utilizados por um restaurador podem se
diferenciar entre si, chegando a um mesmo resultado em ambos os casos. Com a
repetição das técnicas utilizadas, o restaurador vai criando sua própria forma
de trabalho dominando as ações e aperfeiçoando seus resultados.
Através das ações e observações das
alterações estéticas e estruturais ocorridas na restauração, espera-se
contribuir
Referências Bibliográficas
ATTWATER, Donald. Dicionários de Santos. (trad. Maristela R. A.
Marcondes, Wanda de Oliveira Roselli). São Paulo: Art Editora, 1991.
BOHRER,
Alex Fernandes. Mecenato e Fontes
Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34. In.:Anais do XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro
de História da Arte, Belo Horizonte, 2004.
BRANDI,
Cesare. Teoria da Restauração. São Paulo: Ateliê, 2005.
CHARTIER,
Roger. A ordem dos livros: leitores,
autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasilia:
Editora da UnB, 1999.
COLI,
Jorge. O que é Arte. 15ª ed., Editora Brasiliense, São Paulo, 1995.
ELIADE,
Mircea. Mito e Realidade. São Paulo:
Editora perspectiva, 1972.
FEBVRE, Luciem. O aparecimento do livro. São Paulo:
Editora Estadual Paulista, 1992.
HAUSER, Arnold. O Conceito de Barroco. Ed. Veja. São
Paulo, 1997.
HEISENBERG,
Werner. A parte e o todo. Rio de
Janeiro; Contraponto, 1996.
JEAN, George. A escrita memória dos homens. Tradução
de Lídia daMota Amaral: Objetiva, 2002.
JUNG,
Carl Gustav. A dinâmica do Inconsciente. Petrópolis: Ed.
Vozes, 1984.
LE
GOFF, Jaques. História e Memória.
Tradução Bernardo Leitão; 5º Ed. Campinas: SP: Editora da Unicamp, 2003.
MACARRÓN MIGUEL, Ana Maria. Historia de la
Conservación y la Restauración. Madri: Tecnos.
1997. p. 13. Apud, A Trajetória Histórica da Conservação-restauração de Acervos
em Papel no Brasil. Aloisio Arnaldo Nunes. Tese de mestrado, 2008.
NUNES, Aloisio Arnaldo. A Trajetória Histórica da
Conservação-restauração de Acervos em Papel no Brasil. Aloisio Arnaldo
Nunes. Tese de mestrado. 2008.
OLIVEIRA,
Myriam Andrade de.A imagem religiosa no Brasil. Mostra
do Redescobrimento/Arte Barroca. São Paulo: Fundação Bienal de São Pau, 37-79,
2000
OSTROWER,
Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2002.
VIOLLET-LE-DUC,
Eugene Emmanuel. Restauração. Cotia: Ateliê Editoria,
2006.
VIÑAS,
Salvador Muñuz. La Restauracióndel Papel.
Ed. Tecnos. Espanha: Madri, 2010.
RUSKIN,
John. A Lâmpada da Memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
SABOIA, Lygia. GRAVURA – Histórias, Técnicas e
Relações com a Impressão Papel Moeda
SANTIAGO,
Andréa. Usos e Impactos de Impressos
Europeus na Construção do Universo Pictórico Mineiro (1777-1830). Tese de
Doutorado, Belo Horizonte, 2009
(Clique na imagem para ampliá-la)
Relataremos neste texto os procedimentos da disciplina Conservação e Restauração de Papel II, ministrada por Williene Nascimento, nos meses de Agosto Setembro e Outubro de 2014.
Linguagem
Dos gestos, Sons e palavras...
Toda história do homem sobre a Terra,
constitui um permanente esforço de criação e comunicação. Desde que os homens
passaram a viver em sociedade, o nível de progressos nas sociedades humanas
pode ser atribuído, à maior ou menor capacidade de criação e comunicação entre
os povos.
A história dos meios de comunicação, da
qual o jornal é um dos principais personagens, se inicia no momento em que os
integrantes de um primitivo agrupamento humano começaram a se entender por
gestos e sons indicativos de objetos e intenções. Em seguida com base nessa
experiência, surgiu a linguagem oral, concebida numa primeira fase, como um
elenco de nomes próprios. Em seu livro A técnica da comunicação humana,
Penteado coloca que “na linguagem falada contamos com uma série de reforços que
não temos na escrita: os gestos, as expressões fisionômicas, a maneira de
olhar, a entonação” diferentes sinais, que se entrecruzam facilitando a
transmissão do significado.
Com o passar do tempo, do nome próprio
nasceu o nome comum, isto é, a palavra que não se limita a indicar um
determinado objeto, mas sim todos os objetos de uma mesma espécie. Mais tarde o
homem aprendeu a reproduzir, pelo desenho, a figura de animais, plantas e cenas
da natureza. Um dia o homem gravou uma marca à qual atribuiu um significado e,
a partir desse primeiro sinal lançou os fundamentos daquilo que viria a ser a
escrita. Segundo Gutierrez “através da escrita, o espírito humano quase
consegue tornar-se independente dos objetos sensíveis. Por esta razão, a
escrita alfabética é considerada como um meio quase infinito de aculturação.
Porém, por outro lado, a escrita é condicionante. Na escrita, os signos se
mantêm uma ordem social que caracteriza o homem das diferentes épocas
históricas”
A escrita admitiu sua disseminação pelo
transporte, facultando a comunicação à distância, nascendo assim o primeiro
meio de comunicação de massa, a tipografia, entenda-se como a técnica de
imprimir sinais gráficos. Variadíssimas foram os meios empregados para a
fixação dos sinais gráficos: pedra, madeira, conchas, barro cozido, metais,
ossos de animais, cascas e folhas de arvores, talos de bambu e papel.
A invenção do Papel
A
invenção do papel é creditada aos chineses há 105 d. c., a partir da casaca da amoreira,
restos de roupa e redes velhas, criou-se o princípio básico que é usado até
hoje na fabricação do papel.
Os
espécimes que chegaram até os nossos dias provam que o papel feito pelos
antigos chineses era de alta qualidade, que permite, até mesmo, compará-los ao papel
feito atualmente.
Os
papéis utilizados hoje em nossa vida cotidiana (jornais cadernos, livros, etc.)
são feitos de celulose encontrada nas árvores.
A
grosso modo, a fabricação do papel inicia-se com a coleta de troncos de árvores
onde extrai-se a celulose e a mesma passa por vários processos até chegar ao
papel que conhecemos. Este processo se divide em três etapas, sendo a primeira
etapa a preparação da polpa, que tem como objetivo facilitar a separação das
fibras e melhorar sua propriedade. A segunda etapa é o Alvejamento, que
consiste em branquear o papel,
garantindo a obtenção de polpas de alvuras elevadas, com mínima
degradação da celulose e a terceira etapa a Refinação, que consiste na formação
da folha, que é a transformação da pasta branca em papel.
HISTÓRIA
DO LIVRO E DA ENCADERNAÇÃO
SURGIMENTO
DA ENCADERNAÇÃO
A encadernação, uma das
mais antigas práticas de conservação preventiva, surgiu com a passagem do rolo
(volumen) ao códex (em
cadernos), formato que se sistematizou no Império Romano a partir do século I.
A origem da encadernação está na razão direta do aparecimento do livro, como o
compreendemos hoje. Encadernar é a operação de juntar as folhas de um livro,
costurando os cadernos e cobrindo o corpo do volume com uma capa mais grossa e
sólida que a folha vulgar, com a finalidade de protegê-lo e embelezá-lo. Os
primeiros livros eram compostos por folhas simples de pergaminho dobradas ao
meio, formando cadernos. (Apostila de Conservação e Restauração de Papel II p.7/2014)
Os
formatos e métodos da encadernação foram evoluindo em diferentes períodos tendo
passado pelo bizantino (século IV a VI), Medieval (séc. XII), e renascença
(séc. XV) quando a encadernação sai dos mosteiros para os ateliês.
O
livro trabalhado
Descrição:
Livro
com capa dura. Encadernação inteira com a cor do título em azul. Contém duas
pinturas policromadas com a figura a direita de um homem de perfil, realizada
por Piero Della Francesca, tendo como título da obra Federico da Monte Feltro,
e a esquerda contém uma figura feminina de perfil com o título Battista Sforza
do mesmo realizador. Na lombada consta o título da obra em azul, e na parte
inferior uma etiqueta de identificação do proprietário. No verso contém
informação da obra, impressa na cor preta. Na pasta anterior abaixo as figuras
encontra o logotipo e o nome da editora.
No
espelho da guarda, encontra-se um envelope contendo duas fichas. Possui carimbo
nas três primeiras páginas. Na folha de guarda tem uma etiqueta com o numero de
registro do proprietário 700 L 651 / 1984
Técnica construtiva:
Corpo
do livro coberto com papel de pasta química, com a pintura da pasta anterior
policromática, sem cantoneiras. Lombada manuscrita com etiqueta sem nervos.
Costura industrial. Sem decoração. Cabeceado industrial. Cantoneira de papel.
Camada pictórica:
Policromática
Análise do estado de conservação:
Na
pasta anterior contém manchas. Amarelecimento nas bordas superiores. Perda na
cantoneira inferior. Sujidade na canaleta anterior. Lombada rompida e com
perdas. Carimbo nas três primeiras páginas. Na folha de guarda encontra-se uma
etiqueta, e no espelho da guarda um envelope fixado com duas fichas. Lombada
soltando. Anotações com lápis nas páginas 7, 11, 12, 13 e 66. Carimbo nas
páginas: 45, 93 ,104. Sujidade na borda superior de todas as folhas. Sujidade e
carimbo no corte da frente. Contra capa com risco de tinta.
Camada pictórica:
Manchas na pintura do corpo do livro
Testes: Ph
alcalino 7 – medido em 25/08/2014
Análise do estado de conservação
Riscos,
grifo, rabiscos, notas etc.
Higienização
A
Higienização tem como objetivo remover as sujidades superficiais aderidas,
retirada de poeira, restos de linhas usada na costura, resíduos de cola,
resíduos estranhos aos documentos, etc.
O
primeiro procedimento realizado no livro foi a higienização, a qual pode ser
executada com o uso de swob, limpeza com
trincha e limpeza com pó de borracha.
SEGUNDO COBRA, (2003: p.56),
“higienização é o processo de remoção de poeira, insetos e materiais estranhos
aderentes aos objetos que os danificam ou de alguma forma contribuem para sua
depreciação”. O material que deve fazer parte do equipamento para essa
atividade é trincha com cerdas macia 3”, juba ou “bigode”, papel branco tipo
sulfite ou mata-borrão, luvas descartáveis, máscara descartável e jaleco. (Apostila
FAOP - Conservação e Restauração de Papel/2014 - p.49)
Ação
1 – A limpeza
Iniciamos
a limpeza do livro preparando o local onde iríamos trabalhar, após pegar os
materiais no ateliê assim como, Trincha, mata borrão para a proteção do livro,
pó de borracha, boneca e swobs. Com uma trincha com as cerdas macias, limpamos folha
por folha do livro, sempre do centro para as extremidades.
Para
a remoção de manchas e sujidades aderida na capa e contra capa, utilizamos
borracha plástica a qual ralamos em um ralador de cozinha, e com o auxilio de
uma “boneca” que também confeccionamos; este processo consistiu em colocar o pó
da borracha em um pedaço de pano em seguida um algodão, onde foi amarrado com
um barbante. Durante a limpeza, realizamos pequenos movimentos circulares
controlando o atrito do pó da borracha sobre o papel (foto Z). Quando o pó da
borracha foi ficando escuro, trocamos, passando uma trincha.
Higienização com swob
Materiais:
Agua deionizada, EDTA 4% e detergente detertec.
Dentre os três
tratamentos da limpeza, a que obteve melhor resultado foi o EDTA 4% pelo fato
de ter uma densidade e concentração maior que a água e o detergente.
REMOÇÃO
DE ETIQUETAS E FITAS ADESIVAS
Para
a retirada de adesivos colantes como as etiquetas, foi utilizado bisturi e agua
deionizada . Por conta da capa ter uma fina película plastificada,
contribuiu para a remoção. Em um procedimento mais delicado, onde se tem a
dificuldade da remoção, opte em realizar este processo com uma lamparina sempre
aquecendo o bisturi para facilitar o desprendimento da etiqueta.
Fitas adesivas – coloque um papel
mata-borrão embaixo da folha a ser trabalhada. Faça os devidos testes com
solventes. Acetato de etila – Acetona - deve ser aplicado com o uso de um
palito envolto com algodão, SWAB ou um cotonete, somente em cima das fitas,
evitando o contato com o documento. Aplique e aguarde a reação; retire a fita
usando, cuidadosamente o bisturi ou espátula. (Apostila
Conservação e Restauração de Papel/2014 - p.52)
A Capa
No
procedimento de remoção da capa do corpo do livro, desprenda a folha de guarda
da capa, em seguida, com um bisturi corte as linhas da costura.
Ato
2 – Retomando os procedimentos Relizados
Procedimentos:
Reconstituição do suporte
Pequenos reparos
Complemento do suporte
Reforço da lombada da
capa
Reforço da lombada da capa
Após
o desprendimento da capa com a folha de guarda, planifique a canaleta na contra
capa utilizando um swob umedecido com agua deionizada e um apoio para
planificar. E se houver resquícios de materiais remova-os.
Após a umidificação da lombada
Foram
realizados pequenos reparos pontuais com o objetivo de evitar danos maiores no
futuro (remendo nos rasgos com CMC e papel japonês 10 gr.) para evitar perdas
do suporte, em seguida foi revestido com papel japonês 30 gr. E CMC com PVA
(1:1). O papel japonês deve ter um acabamento discreto e não pode ser cortado
com tesoura, usar sempre um swob úmido para cortar o papel japonês (Foto L).
Foto
L – Preparação do Papel japonês
Na
parte superior da lombada da capa, realizou-se o reforço com papel artesanal.
Em seguida, foi colocado um filifold na parte superior e inferior para criar maior resistência.
Estado
do reforço da lombada
Com
uma lixa d´agua 400 realizamos a remoção dos ferpos (as sobras) do papel
calandrado da contra capa sendo revestido com papel japonês 30 gr. Em toda a
coifa trabalhada.
Ato 3 – A volta do corpo a capa
Realizamos
a colagem do revestimento da capa na lombada com CMC 4% com PVA. Em seguida
colamos a contra capa com a folha de guarda. As bordas foram desamassadas com
agua deionizada sendo colocados pesos para planificação da mesma.
Após
a colagem do corpa a capa
Áreas
faltantes
Nas
partes onde houve perdas do suporte. Foi realizado o preparo com massa de
obturação, para assim, ser inserido o enxerto nos orifícios da lombada. Realizamos
uma breve pesquisa da cor do papel, com a intenção de buscar uma mesma textura
e cor do papel do livro, para que o enxerto fique mais próximo do original. O
papel que mais se aproximou com a textura e cor da capa foi o papel artesanal.
Então trituramos pequenos fragmentos de papel artesanal + CMC e agua
deionizada.
Papel artesanal triturado Preparação da Massa para obturação
Cortado
os fragmentos do papel artesanal, foram misturados os materiais com auxilio de
um bisturi, o qual facilita na trituração do papel; criou-se uma massa
homogênea. Este procedimento chama-se maceração, e foi realizada manualmente na
superfície de uma pedra de mármore. Após a formação da massa, acrescentamos PVA
para uma melhor fixação. Com uma espátula colocamos a massa nos orifícios e pequenas
perdas da capa e lombada. Com uma lixa 400 realizamos o acabamento.
Obturação nas bordas Bisturi em ação com massa de obturação
Antes da intervenção na lombada Após intervenção
Considerações
finais
Os
procedimentos realizados permitiu conhecer e trabalhar técnicas e materiais
particulares, sendo para cada técnica e período variam os materiais e procedimentos,
sempre buscando a compatibilidade de materiais, resistência, aplicabilidade,
aglutinação, retratabilidade e toxidade.
Estado inicial, antes da intervenção
Resultado Final
Leituras
PENTEADO, Witaker Jr. A técnica da
comunicação humana. 10 ed. São Paulo: Livraria pioneira editora, 1987
GUTIERREZ, Francisco P. Linguagem Total: Uma
pedagogia dos meios de comunicação. 3ºed. São Paulo: Sumnus, 1978
Apostila FAOP´- de Conservação e Restauração de
Papel/2014
Apostila FAOP - de Química II/2014