Papel

A invenção do Papel 

Antes de colocar as características da produção do papel de trapo, será oportuno descrever os principais suportes dos veículos de informação até os nossos dias.
Grande parte do acervo documental e bibliográfico da humanidade encontra-se, em sua maioria, em suporte de papel. O papel é um material sensível à degradação, levando em conta diferentes fatores, a sua degradação mais comum é a acidificação da celulose da qual é composto.
No percurso da história, foram diversos os suportes para o registro da informação, desde as pinturas rupestres, que são considerados também uma espécie de escrita, passou-se para outros materiais, como a argila, placas de mármore, a madeira, dentre outros. A forma mais próxima do que conhecemos hoje é o papiro, usado no Egito há aproximadamente quatro milênios antes de Cristo, que segundo Viñas:
el papiro fue uno de los más importantes soportes de la escritura em la civilizaciones antigas: durante el primer milênio antes de cristo y hasta aparición de otros soportes alternativos, fue usado de forma abundante em Roma, em Persia, em la Grécia clássica, em Palestina y em Siria. (VIÑAS, 2010, p. 35)

Outro suporte utilizado foi o pergaminho. Seu registro é datado três séculos antes de cristo e se estendeu até depois do século XIII, quando deixaram de ser fabricação exclusiva dos mosteiros.
A invenção do papel como conhecemos hoje é creditada aos chineses em 105 d. C., a partir da casca da amoreira, restos de roupa e redes velhas, criou-se o princípio básico que é usado até hoje na fabricação do papel. Os exemplares que chegaram até os nossos dias provam que o papel feito pelos antigos chineses era de alta qualidade, que permite, até mesmo, compará-los ao papel feito atualmente. Os papéis utilizados hoje em nossa vida cotidiana (jornais, cadernos, livros, etc.) são feitos de celulose encontrada nas árvores.
Em seu livro La Restauracióndel Papel, Salvador Viñas coloca a definição mais corrente sobre o papel ao dizer que “el papel como um produto de forma laminar que está compuesto por fibras vegetales sueltas dispuesta de forma aleatória, o por acortar aún más, como uma lámina formada por fibras vegetales sueltas aleatoriamente dispuesta”. (VIÑAS, 2010, p.27)
Em sua composição básica, a fabricação de papel consiste na preparação da pasta, que após o processamento temos a formação do papel. Segundo Viñas (2010, p.28), o processamento da formação do papel “consiste em filtrar la pasta a través de um tamiz, que retiene las fibras y deja passar el agua. Cuando después essas fibras se secan producen la hoja de papel”.
O papel de trapo se popularizou com a descoberta da imprensa no século XV. O papel tem como matéria prima trapos de algodão, linho e outras fibras têxteis, que eram colocados na agua até adquirirem uma consistência pastosa. A vantagem do papel de trapo, se comparado ao papel industrializado, é que não possui substâncias ácidas na transformação do tecido em pasta, estando assim, sujeito a maior durabilidade e resistência à acidez.

Biblioteca Nacional
A partir de uma visita técnica-cultural monitorada, o documentário aborda o trabalho da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e como atuam na conservação e restauração de seu acervo.






Apontamentos acerca da história do livro

A história da evolução do livro se inicia no século II, passando pela Idade Média até as publicações contemporâneas. O livro sempre exerceu influencia na formação do espírito humano e na difusão de ideias e conhecimento. Segundo Chatier:

Manuscritos ou impressos, os livros são objetos cujas formas comandam, se não a imposição de um sentido ao texto que carregam, ao menos os usos de que podem ser investidos e as apropriações as quais são suscetíveis. As obras, os discursos, só existem quando se tornam realidades físicas, inscritas sobre as páginas de um livro, transmitidas por uma voz que lê ou narra, declamadas num palco de teatro. Compreender os princípios que governam a ‘ordem do discurso’ pressupõe decifrar com todo o rigor, aqueles outros que fundamentam os processos de produção, de comunicação e de recepção dos livros (e de outros objetos que veiculem o escrito). (CHATIER, 1999, p.8)


O autor nos faz perceber que as histórias transpassadas não são casuais, tem-se uma intenção ao se redigir as palavras através da escrita, muita vezes na leitura do todo, este significado se dissolve, ou seja, não o percebemos.
Em seu texto, O Aparecimento do Livro, Lucien Lebvre aponta os primeiros indícios do aparecimento do livro e coloca que,

ao longo dos sete séculos que decorrem desde a queda do Império Romano até o século XII, foram realmente os mosteiros e, acessoriamente, o conjunto dos outros estabelecimentos eclesiásticos que conservaram o monopólio quase integral da cultura livresca e da produção do livro. Não é menos certo, por outro lado, que a partir do final do século XII interveio uma profunda modificação e que as transformações intelectuais e sociais, traduzidas especialmente pela fundação das universidades e pelo desenvolvimento da instrução entre leigos, ao mesmo tempo em que se formavam uma nova classe burguesa, tiveram repercussões profundas nas condições em que os livros eram compostos, escritos, copiados e difundidos. (FEBVRE, 1992, p.22)

Os livros produzidos na Europa durante o século XVII chegavam ao Brasil com facilidade, construindo e moldando nossa forma de entendimento da realidade. Em Minas, em particular, esses livros contribuíram para o grande desenvolvimento da cultura social e política do Brasil durante o período colonial,

os primeiros exemplares chegaram com os jesuítas, no século XVI. No século XVII, os volumes mais comuns nas bibliotecas eram os catecismos, resumos de histórias santas, diretivas, exercícios espirituais, livros de novenas, orações e manuais para melhor aproveitar os sacramentos. (SANTIAGO, 2009,pag.24)

O objeto de estudo deste trabalho, o missal romano, caracteriza-se por ser um livro usado nas missas de rito romano para as leituras próprias do celebrante (um clérigo). Os missais tinham por finalidade “uniformizar e coordenar as orações da comunidade de fiéis, que acessavam seus dizeres por intermédio da voz do celebrante. Orientava-se para a coletividade e inseria-se numa prática sociabilizada de leitura”. (SANTIAGO, 2009, p. 214)
A norma de oração do missal, esta em consonância com as normas da fé, é uma simulação de ato teatral, reforçado pela musica, pelo incenso e pela iluminação das velas, criando um ambiente de estímulos perceptivos onde os receptores são atingidos por diferentes meios cognitivos. 
Os missais orientam o cotidiano das celebrações litúrgicas, colocando a maneira como o livro deveria ser lido, e em quais dias.
É importante ressaltar de quem organizava os ritos, os quais os missais tiveram um importante papel na difusão das ideias do período colonial, tinham como protagonistas as Irmandades. Em seu texto Mecenato e Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira, Alex Bohrer caracteriza o missal apresentando sempre a mesma estrutura básica, segundo o autor:

uma capa (com o nome completo do Missal, a cidade de impressão, a tipografia, a data e, em grande numero de missais uma pequena gravura), uma contra capa, uma apresentação em latim (feita por um ou mais papal), textos litúrgicos (em latim), partituras de musicas sacras, pequenas ilustrações, tudo entremeado por gravuras principais. (BOHRER, 2004, p. 5)

Geralmente as gravuras[1] de pagina inteira eram dispostas na página esquerda dos missais e representavam : Anunciação, Natividade, Epifania (adoração dos magos), Crucificação, Ressureição,  Ascenção de cristo, Pentecostes, Santa Ceia, Assunção da virgem, Santíssima Trindade.

Os temas destas gravuras principais obedeciam a liturgia vivida pela igreja durante o ano, “essas estampas situavam-se imediatamente antes do texto referente à cerimônia alusiva à passagem representada nas imagens.” (SANTIAGO, 2009, p.226). Os missais foram responsáveis pela popularização e reprodução das imagens neles retratadas, determinando assim as gravuras, estas gravuras eram almejadas por comitentes e artistas.

As casas impressoras usavam manancial restrito de pranchas para ilustrar cada uma das passagens do Missal, ou seja, a mesma gravura era impressa em vários livros trazidos à luz por uma mesma tipografia. Revela-se, assim, que a função das imagens relacionava-se intimamente com o texto, não tendo uma autonomia estética que justificasse a abertura de novas matrizes. (SANTIAGO, 2009, p.226)


Em sua pesquisa sobre os livros e vocabulário iconográfico, Camila Santiago nos coloca que:
a maioria dos missais encontrados, e possivelmente a maioria dos que circulavam na época, vinha da Tipografia de Plantin, sobretudo os impressos até a década de 60 do século XVIII, e da Impressão Régia, cuja primeira edição é o missal de 1775, ainda sob o privilégio concedido a Francisco Gonçalves Marques.  (SANTIAGO, 2009, p. 228)







[1]O termo Gravura é a denominação genérica das técnicas que permitem obter imagens por meio de matrizes.  A técnica da gravura em Metal começou a ser utilizada na Europa do século XV. Em seu texto A Gravura a pesquisadora Ligia Saboia nos deixa uma luz sobre as primeiras gravações, “a primeira gravura em metal de que se tem notícia é datada de 1446, intitulada Christ Crowned with Thorns. Alguns autores consideravam que o inventor da gravura em metal foi o Mestre das Cartas de Baralho, um joalheiro suíço”. As matrizes da gravura pode ser placa de cobre, zinco ou latão. Estas são gravadas com incisão direta ou pelo uso de banhos ácidos. Agua forte, agua tinta e ponta seca são as técnicas mais usuais. A matriz é entintada e utiliza-se uma prensa para transferir a imagem para o papel. 




Referências Bibliográficas

ATTWATER, Donald. Dicionários de Santos. (trad. Maristela R. A. Marcondes, Wanda de Oliveira Roselli). São Paulo: Art Editora, 1991.
BOHRER, Alex Fernandes. Mecenato e Fontes Iconográficas na Pintura Colonial Mineira. Ataíde e o Missal 34. In.:Anais do XXIV Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, Belo Horizonte, 2004.
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. São Paulo: Ateliê, 2005.
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasilia: Editora da UnB, 1999.
FEBVRE, Luciem. O aparecimento do livro. São Paulo: Editora Estadual Paulista, 1992.

HAUSER, Arnold. O Conceito de Barroco. Ed. Veja. São Paulo, 1997.

JEAN, George. A escrita memória dos homens. Tradução de Lídia daMota Amaral: Objetiva, 2002.

MACARRÓN MIGUEL, Ana Maria. Historia de la Conservación y la Restauración. Madri: Tecnos. 1997. p. 13. Apud, A Trajetória Histórica da Conservação-restauração de Acervos em Papel no Brasil. Aloisio Arnaldo Nunes. Tese de mestrado, 2008.
OLIVEIRA, Myriam Andrade de.A imagem religiosa no Brasil. Mostra do Redescobrimento/Arte Barroca. São Paulo: Fundação Bienal de São Pau, 37-79, 2000
VIÑAS, Salvador Muñuz. La Restauracióndel Papel. Ed. Tecnos. Espanha: Madri, 2010.
SABOIA, Lygia. GRAVURA – Histórias, Técnicas e Relações com a Impressão Papel Moeda

SANTIAGO, Andréa. Usos e Impactos de Impressos Europeus na Construção do Universo Pictórico Mineiro (1777-1830). Tese de Doutorado, Belo Horizonte, 2009