A Iconografia faz parte da história cultural, está
associado ao conteúdo e a forma de representação, tem-se uma ligação entre a
imagem e o significado que indique uma mensagem e uma narrativa, fundamentando
a simbologia cristã. Nesse âmbito, Louiz Réau (2005, p. 68) afirma que “as
lendas apócrifas não possuem menor valor que as representações conformes aos
textos canônicos, por menor que seja a quantidade de imagens que elas
engendraram”.
Sendo
assim, em um mundo que não pára de se ver, a imagem ocupa um lugar
privilegiado, assim como qualquer texto, a imagem permite atingir diversos
graus de acessibilidade, de acordo com a ilustração e cultura do receptor[1].
Em seu livro
A Arte Religiosa, Augusto
Lima, coloca que,
no cristianismo
quando se trata de mistérios intraduzíveis ou que envolvem concepções
transcendentes, intervêm os símbolos. Êstes diferem ainda dos elementos
meramente decorativos que, entretanto, são aproveitados muitas vezes como
alegorias, integrando composições educativas ou glorificantes. (LIMA, 1996, p.46)
A
realidade alegórica ou simbólica existe no cristianismo desde o velho
testamento, as imagens eram mais compreensíveis que a transmissão oral, mas seus
significados continuavam ocultos através dos símbolos, assim “os símbolos
estimulam os pensamento e as visões, que são simplesmente observados, sem serem
analisados” (FONTANA, 2012, p. 73) dentro deste contexto, a pesquisa
iconográfica da imagem contribuiu para analisar seus atributos e
características.
(pesquisa em andamento - Julho2015)
[1] Conforme Daniel Kidder, (1972p. 40)
apud Oliveira (2000, p. 38), “as imagens não foram introduzidas na Igreja sem
causa razoável. Elas derivam de três causas: a incultura dos simples, a
frouxidão dos afetos e a impermanência da memória. Elas foram inventadas em
razão da incultura dos simples, que não podendo ler o texto escrito utilizam as
esculturas e pinturas como se fossem livros para se instruir nos mistérios de
nossa fé. Da mesma forma, elas foram introduzidas em função da frouxidão dos
afetos para que aqueles cuja devoção não é estimulada pelos gestos de cristo
recebidos por intermédio dos ouvidos sejam provocados pela contemplação dos
olhos do corpo em sua presença nas esculturas e pinturas, já na realidade o que
se vê estimula mais os afetos do que se ouve...Finalmente por causa da
impermanência da memória, já que o que se houve é mais facilmente esquecido do
que se vê...Assim, por um dom divino, as imagens foram executadas nas igrejas
para que vendo-as lembremos das graças que recebemos e das obras virtuosas dos
santos”.
Referências
JUNIOR, Augusto de Lima. Arte Religiosa. Ed. Instituto de
História, letras e arte – Belo Horizonte: 1966
ELIADE,
Mircea. Mito e Realidade. São Paulo:
Editora perspectiva, 1972.
ETZEL,
Eduardo. Anjos Barrocos no Brasil:
angelologia. São Paulo: Ed. Kosmos, 1995.
FONTANA, David. Linguagem dos Símbolos. Ed. Publifolha.
São Paulo: 2012
RÉAU, Louis. Iconographie
de l’art Chrétien, Prefácio. Paris, PUF, 1955, 6 vol. In:
LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A
pintura (vol. 8): descrição e interpretação. São Paulo Ed. 34, 2005.
pp.66-82.
AS QUATRO ESTAÇÕES
Marcelo
Fernando
Andréa Dalbosco
Seminário
Apresentado na disciplina
Imaginária
Brasileira e Iconografia Cristã I
Introdução
A Matriz de
Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto, MG, destaca-se não apenas pela riqueza de
sua decoração, mas como fonte cultural, histórica, artística e religiosa, detendo
registros que auxiliam a compreensão da história. A Igreja teve o início de sua
construção em 1730, no local da capela primitiva construída por volta de 1711
(talvez antes, segundo pesquisas do Cônego Trindade), conforme relata Paulo
Krüger em seu livro “As Igrejas Setecentistas de Minas”. Embora a construção e a ornamentação do templo tenham ocorrido
entre 1728 e 1848, a Igreja apresenta características internas
predominantemente joaninas, devido ao período de execução dos trabalhos de
talha e arremates, com um aspecto teatral, sendo resultado de um discurso
teológico-político vigente no período.
A Capela-mor da Matriz de Nossa Senhora do Pilar é obra de
Francisco Xavier de Brito (1746/51), em estilo joanino evoluído, englobando o
que há de mais moderno da época na Europa. Percebe-se a distribuição dos
elementos de forma hierárquica: por exemplo, nas paredes laterais há painéis de
pintura dispostos em nível ascendente, com a representação do tema “as quatro
estações”, elementos mundanos, na parte inferior
e os apóstolos,
elementos exemplos de salvação pela fé, representados
na parte superior.
De autoria de Bernardo Pires (1774), as pinturas com temática das
estações do ano - primavera, verão, outono e inverno – são painéis sobre
madeira em estilo rococó, que representam a passagem do tempo e são uma analogia à própria vida humana, seu nascimento, formação,
maturidade e senilidade. O tema, simbolicamente, refere-se também de maneira
rica e complexa a tudo que se refere ao número quatro: às quatro partes do dia,
aos quatro elementos, a quatro passagens bíblicas e a quatro deuses da
mitologia, sempre fornecendo a ideia de uma volta cíclica.
O objetivo deste trabalho é realizar uma análise formal e iconográfica da
pintura que representa a estação da primavera, localizada na parede esquerda da
capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto.
Análise Formal
Na lateral esquerda da obra, em primeiro plano, há uma vasilha com
rosas, seguida por um arbusto e em terceiro plano uma árvore com galhos secos e
uma ramada superior que atinge o topo da pintura. No centro da obra está
retratada uma figura feminina jovem, em pé, em posição frontal, com fisionomia
serena e cabeça levemente inclinada à direita. Seus cabelos estão envoltos por uma
coroa de flores contendo cinco rosas e uma flor comum. Apresenta rosto oval; orelha
esquerda em C; testa alta sem sulcos; olhos amendoados; sobrancelhas levemente
curvas; nariz fino e pequeno; boca cerrada com lábios finos, queixo em
montículo e pescoço curto. O tronco é esguio. O braço direito está flexionado
junto ao tronco, e a mão está aberta com os dedos levemente flexionados e
carrega um ramalhete de flores. O braço esquerdo está flexionado, deixando a
mão na altura dos ombros segurando um pequeno ramo com três rosas e um botão. A
perna esquerda está levemente flexionada, deixando os pés em ângulo, e estes
calçam sandálias em tiras.
A jovem veste saia longa até o calcanhar, sobreposta pela bata
larga com cinto na cintura. A manga da bata é fofa e está arregaçada deixando o
antebraço esquerdo à mostra. Há um manto sobre o braço direito que se estende
até o chão, por trás da jovem.
Ao lado direito da pintura, há um putto em pé em posição ¾ de
perfil, também com fisionomia serena, com a cabeça virada para a direita e
cabelos cacheados e curtos. Tem rosto arredondado, olhos amendoados,
sobrancelha reta, nariz pequeno, boca cerrada e pequena, e lábios finos. O
braço direito está flexionado junto ao tronco segurando nas mãos entreabertas um
ramalhete de flores. As pernas estão semi-flexionadas, pés em ângulo e
descalços. Um manto envolve o corpo nu saindo das costas, passando sobre o
ombro direito, descendo em frente do tronco e retornando às costas após passar
por entre as pernas. Na lateral direita,
há alguns galhos e folhas.
Há uma linha marcando o
limite do horizonte, dividindo o céu e a terra. A pintura é arrematada por
arabescos nos quatro lados.
Análise Iconográfica
A estação do ano “primavera” é o início de um novo ciclo, o
princípio da boa estação, onde se percebe a esperança num novo advir. Mais
caracterizada em países de frio intenso, na primavera surgem os primeiros
ventos quentes, a neve e o gelo começam a derreter, os rios voltam a correr e
ficam mais caudalosos. Nascem as primeiras folhas da grama do campo e as
árvores cobrem-se de folhagem. É a época das flores.
As estações determinam em grande parte o comportamento e as ações
dos seres vivos. Nas regiões próximas ao equador, as diferenças não são muito
visíveis. Mas, da zona temperada para o polo, elas têm um papel muito
importante. No inverno tudo fica coberto de neve, os animais se recolhem. Na
primavera a vida surge fervilhante, chegando ao ápice no verão, recolhendo-se
no outono e hibernando no inverno, para recomeçar tudo na primavera seguinte. É
o ciclo das estações do ano. (COUTO, 2011, p.79)
A primavera é como a "Infância", a primeira fase da
vida, onde ocorre o crescimento físico,
em que o ser vai tomando consciência de si mesmo, aprendendo a ser
autossuficiente, fazendo descobertas e desabrochando para a vida. Os corpos
estão exuberantes, a pele linda, a feição bela e jovial. É a fase dos sonhos.
Figura
5 - Primavera, de Bernardo Pires (1774).
Tal construção simbólica se dá no entrelaçamento entre a
observação climática e a sensibilidade poética da vida. Foi a partir das
estações que os taoístas formularam os fundamentos da sua sabedoria,
influenciando o modo de vida e a forma de pensar do povo chinês. Outra
construção simbólica é possível ao entrelaçar as estações do ano e passagens
bíblicas. A primavera é associada, deste modo, à história de “Adão e Eva” (livro do
Gênesis, capítulo 3), quando estavam no paraíso, sem conhecerem o bem e o mal,
com disponibilidade de alimentos, em natureza exuberante, sem sentir dor e sem
ter conhecimento da morte.
Se comparada às fases do dia, a primavera é o nascer do sol,
enquanto no verão o sol chega a seu zênite, no outono o sol se inclina sobre o
horizonte e, por fim, no inverno o sol descansa.
Também podemos encontrar a “primavera” associada à figura do deus Apolo, considerado o
deus da juventude e da luz, identificado primordialmente como uma
divindade solar na mitologia grega.
Outros artistas retrataram
os ciclos naturais das estações do ano e intitularam o conjunto de “As Quatro Estações”, como o
pintor italiano Giuseppe Arcimboldo (1527/1593),
o artista francês Nicolas Poussin (1594-1665) e o artista francês Eugène
Delacroix (1798-1863). O tema foi utilizado por Poussin e Delacroix como
analogia para contar quatro histórias bíblicas com referências mitológicas,
representadas em paisagens.
Figura 6 – “Primavera”, de Giuseppe Arcimboldo (1573).
Figura 7 - "Primavera", de Poussin
(1660-1664).
Figura 1- A Primavera - Eurídice Colhendo Flores é
Mordida por uma Cobra, Delacroix (1853 - 1863).
Na
música o tema também foi inspiração, sendo “As Quatro Estações”, de Antonio
Vivaldi, a obra mais conhecida do compositor e uma das peças mais populares da
música barroca (quatro concertos para violino e orquestra).
Na representação artística do conjunto da Igreja Nossa Senhora do
Pilar, as “4 estações do ano” fazem simbologia às fases da vida. Posicionadas
na parte inferior das paredes laterais, representam a figura humana em um
processo análogo ao das estações do ano, em que a primavera corresponde à infância, à fase inicial da vida;
o verão se refere à juventude, ao auge da força e da virilidade; o outono
representa a meia-idade, o declínio do vigor e das capacidades físicas; o
inverno é a velhice, a estagnação das funções vitais e o recolhimento.
Abaixo, “As 4 estações”, de Bernardo Pires.
Fig. 1 –
“Primavera” - a infância
Fig. 2 –
“Verão” – jovem adulto
Fig. 3 –
“Outono” adulto maduro
Fig. 4 –
“Inverno” – velhice
Considerações finais
A análise formal e iconográfica da pintura “Primavera”, de autoria
de Bernardo Pires, foi realizada buscando entender sua representação e
simbologia na Capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Pilar.
Durante o estudo da pintura, deparamos com dois problemas: o
primeiro, na leitura visual da imagem, datada de 1774, que foi coberta com
tinta branca para satisfazer o estilo do início do século XX (quando se buscava
maior luminosidade na Igreja, e o objetivo era “modernizar”). Após a remoção da
camada de tinta branca, a pintura encontra-se com os traços desgastados,
dificultando a análise minuciosa. O segundo problema, pela falta de dados
registrados e estudos anteriormente realizados sobre a simbologia desta obra, que
já foi vista como retratação da vida europeia e sem sentido de representação na
Igreja durante um período. Portanto, a
pintura, assim como qualquer texto ou escultura, permite atingir diversos graus
de acessibilidade, de acordo com a ilustração e cultura do receptor.
Referências
Bibliográficas
ATHAYDE, Públio. As quatro
estações: Mimeses. Ouro Preto: UFOP/ IFAC, 2007.
COUTO, Hildo Honório do. Semântica Taoísta. Polifonia, Cuiabá, MT, v.18, n.23, p.67-90, jan./jun., 2011.
Disponível em: <file:///C:/Users/Usuario/Downloads/23-1032-1-PB.pdf>.
Acesso em 05.jun.2014.
FERNANDES, Luciano de Oliveira. A Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Pilar de Ouro Preto:
teatro sacro e alegorias de um discurso teológico-político. Disponível em: <http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/l525.pdf>. Acesso em: 23.maio.2014.
MOURÃO, Paulo
Krüger Corrêa. As Igrejas Setecentistas
de Minas. Belo Horizonte: Itatiaia Ltda, 1964.
OLIVEIRA, Eneida Verri Bucco. Análise
dos retábulos. Igreja de Pilar. Outro Preto – MG. São Paulo, 2010.
Disponível em: <http://www.eneidaverri.com.br/05_artigos_10.html>. Acesso em: 23.maio.2014.
RIPA, Cesare. La novissima
iconologia. Pádova, Itália, 1625. Versão digitalizada.
Santa Efigênia
Introdução
O objetivo deste
trabalho é apresentar uma análise formal, estilística e iconológica da imagem
de Santa Efigênia. Buscaremos analisar através da iconologia a origem da vida
da Santa e como se estruturou o projeto
catequético com base no culto de Santa Efigênia, em seguida, acompanhar a
difusão do culto, tendo presente a mediação do clero e a apropriação dos fiéis
na construção imagética da Santa e sua difusão.